Sustainability Talks: não é só o futuro que é sustentável, o agora já o é

No início do mês, o Porto recebeu a conferência internacional “ModaPortugal Sustainability Talks”. Com a palavra sustentabilidade no centro da conversa, deram-se a conhecer projectos positivos ao nível ecológico, onde sobressaíram, a nível nacional, exemplos como os da Tintex, da Scoop, da Valérius e da Riopele.

Foto
D.R.

Não é ao acaso, nem uma novidade, que Portugal é um dos países com as melhores e mais criativas indústrias de vestuário, confecção e moda nacional do mundo. Na vanguarda das tendências, há muito que se fala em sustentabilidade a nível nacional, e são várias as empresas e associações que adoptaram técnicas, métodos e políticas que estão em linha com as chamadas medidas ecológicas. Não é, por isso, pouco usual que o Porto – mais precisamente o Salão Nobre da Alfândega do Porto – tenha sido o destino cujas coordenadas foram as eleitas para o decorrer da conferência internacional “ModaPortugal Sustainability Talks”, uma iniciativa do CENIT, em parceria com a ANIVEC, a ASSOCIAÇÃO MODALISBOA e o certame de moda alemão NEONYT.

Juntas, no passado dia 5 de Dezembro, estas instituições ligadas ao universo da moda levaram ao espaço público debates e reflexões sobre as mudanças urgentes no ecossistema da moda nacional e mundial, sob a alçada da sustentabilidade. Além disso, este foi o pretexto perfeito para dar a conhecer - e sublinhar - aquilo que já foi conseguido por empresas que, há já alguns anos, abraçaram o desafio de colocar precisamente a sustentabilidade no centro da sua actividade. Além dos representantes e entidades internacionais que passaram neste evento, deram-se a conhecer as iniciativas nacionais de empresas como a Tintex, empresa familiar produtora de malhas circulares de Vila Nova de Cerveira; da Scoop, empresa especializada na confecção de vestuário técnico para a prática de desportiva com foco tecnológico de Vila Nova de Famalicão; a Valérius, fábrica de têxteis de Barcelos; ou a Riopele, uma das mais antigas empresas têxteis portuguesas e uma referência notável na criação e produção de tecidos, sediada em Pousada de Saramagos. 

Foto
D.R.

Sustentáveis? Sim, aqui e agora

Um tema que está na ordem do dia, atrevemo-nos a dizer mais do que nunca, a sustentabilidade não pesa unicamente sobre a vida das gerações futuras, mas está cada vez mais presente nas narrativas e nos negócios, que se preparam para novos desafios, novas oportunidades e novos modelos de gestão. Foi este o ponto de partida para os quatro ciclos temáticos que ocorreram durante a conferência internacional que juntou diferentes players nacionais e internacionais numa sessão de partilha de diferentes perspectivas - seja do ponto de vista das empresas têxteis, das empresas de vestuário e confecção, dos designers, dos retalhistas ou das associações do sector. A conferência dividiu-se, assim, em quatro painéis: “Sustainability Talks Powered by Neonyt”, “Sustentabilidade: A Visão do Retalho”, “Sustentabilidade em Portugal: Experiências da Indústria” e “Sustentabilidade e Criação de Valor no Longo Prazo”. Luís Hall Figueiredo, presidente do CENIT, abriu a sessão inaugural, começando por referir que “as alterações climáticas não podem ser ignoradas por ninguém”, sublinhando ainda que a sustentabilidade “é hoje uma preocupação e um tema central da nossa sociedade”.​

Pensar em grande, pensar verde

Pelas 14h30, deu-se início ao primeiro debate. Neste primeiro painel, “Sustainability Talks Powered bu Neonyt”, Max Gilgenmann, director de conteúdos da NEONYT Berlin, salientou que 2019 foi um ano importante no que diz respeito à sustentabilidade, e que o mundo assistiu a uma verdadeira revolução relativa ao tema. “Há um ano que todos falam sobre este tema e argumentam que estão a tomar uma atitude. E talvez seja verdade, mas é muito difícil perceber quão investidos estão efectivamente – o que será revelado nos próximos tempos”, referiu Max Gilgenmann.

Em representação do Fashion Council Germany esteve presente a fashion stylist e directora de arte Claudia Hofmann. A oradora alemã apresentou um programa de apoio desta associação a um grupo de jovens criadores alemães nas áreas do design sustentável, sourcing, distribuição, marketing, comunicação e negócios, tentando, assim, ajudar ao seu estabelecimento a longo prazo no mercado.

Luís Hall Figueiredo, presidente do CENIT D.R.
Max Gilgenmann, director de conteúdos da NEONYT Berlin D.R.
Rachel Zeininger, do grupo Facit Research GmbH & Co. D.R.
Em representação do Fashion Council Germany esteve presente a fashion stylist e directora de arte Claudia Hofmann D.R.
Ali Azimi, fundador da Kind of Blau D.R.
Ricardo Garay, coordenador internacional da Circular Systems D.R.
Fotogaleria
Luís Hall Figueiredo, presidente do CENIT D.R.

Por sua vez, Rachel Zeininger - do grupo Facit Research GmbH & Co. - foi uma das oradoras que reforçou o facto de a sustentabilidade já não ser apenas um tema tendência, mas sim uma necessidade e um pensamento comum. No seu tempo, neste debate, optou por apresentar os resultados de um estudo realizado junto dos consumidores alemães, “Neonyt Consumers Study 2019”. Entre outras conclusões que apresentou, sobressai a percepção de sustentabilidade que o consumidor tem acerca de uma determinada marca: não basta uma marca ser sustentável, ela tem que o saber comunicar e ser transparente quanto a essa característica do negócio. Das oito categorias elencadas pelo estudo – que avaliou mais de 30 marcas - a “sustentabilidade” aparece em terceiro lugar, depois do “fit” e do “look” da peça, sendo que a “marca” e a “tendência” surgem em último lugar. 

Ainda neste debate, Ali Azimi, fundador da Kind of Blau, uma marca de malhas sediada em Berlim, revelou ter incluído a consciência e a prática sustentáveis desde o processo criativo. Uma das práticas que revelou ter adoptado foi a de optar por não usar malhas que recorrem ao algodão ou plástico como matéria-prima, usando, ao invés, fibra modal. Mas o mais surpreendente foi o que revelou a seguir: a água, o recurso mais importante do planeta, é uma das maiores preocupações no seu negócio. É por essa razão que a marca que fundou, a Kind of Blau, tem regido a sua actividade pela escolha de materiais que necessitam de menos água, ao mesmo tempo que informa os seus clientes sobre a quantidade de água que utiliza nos seus produtos. As descobertas deste empreendedor levaram à criação de uma ONG no Bangladesh, a Drip by Drip, num dos mercados apontados como dos que mais água desperdiça no processo de confecção de vestuário. O objectivo? Como Ali Azimi explicou, a Drip by Drip foca-se em preservar os ciclos da água naturais, proteger a distribuição equilibrada da água e minimizar os efeitos negativos dos nossos hábitos de consumo de moda.

Este painel foi encerrado por Ricardo Garay, coordenador internacional da Circular Systems, empresa de ciência de materiais focada no desenvolvimento de tecnologias inovadoras circulares e regenerativas que transformam o desperdício em produtos têxteis novamente reintegrados no processo produtivo. Este orador começou por saudar o facto de a conferência internacional do CENIT estar a decorrer no dia 5 de Dezembro, o Dia do Solo. “É no solo que estes sistemas regenerativos começam”, afirmou Ricardo Garay, defendendo que um melhor conhecimento sobre os sistemas e sobre o processamento agrícola podem mitigar o uso de químicos, concorrendo assim para uma melhor “eficiência e sustentabilidade dos sistemas de cultivo”.

Retalho, uma visão essencial e impactante

O segundo painel - “Sustentabilidade: A Visão do Retalho” – que começou por volta das 16h, girou em torno da perspectiva do retalho, um dos mais importantes aspectos neste tema. Essa visão da sustentabilidade no retalho foi trazida pelo convidado Manuel Lopez Tocci, director de Sourcing do El Corte Inglés, que apresentou as métricas de sustentabilidade pelas quais este gigante ibérico se rege. Exemplos de uma política sustentável; são elas: a utilização de energias renováveis; o recurso a fornecedores que demonstrem respeito pelo meio ambiente e pelos direitos dos trabalhadores; a promoção da economia circular; a disponibilização de postos de abastecimento para veículos eléctricos; e, por fim, o reaproveitamento de vestuário, dispositivos electrónicos e livros usados.​

As promessas da indústria portuguesa (e o que já está em vigor)

Já a meio da tarde e depois deste exemplo positivo, seguiram-se mais histórias e experiências partilhadas, desta vez de uma perspectiva nacional. Assim, o painel seguinte - “Sustentabilidade em Portugal: Experiências da Indústria” - deu a palavra a quatro testemunhos que são exemplos de empresas que estão a adaptar o seu modelo de negócio às novas exigências do mercado e do consumidor em matéria de sustentabilidade. O início foi marcado por Ana Tavares, directora de sustentabilidade da TINTEX, que partilhou os projectos inovadores que a empresa conduz neste sentido. Um deles, o Picasso, que começou em 2017 e já está em fase de concretização, trata-se de um sistema de tingimento natural com corantes orgânicos multifuncionais provenientes de cogumelos e plantas, ou seja, que não recorre a produtos químicos. Além destes, Ana Tavares também apresentou os projectos Texboost e Texbion. “Tentamos juntar inovação, design e criatividade para todos os dias conseguirmos entregar a necessidade do nosso cliente e do nosso consumidor”, referiu, durante a sua apresentação. A TINTEX é uma empresa portuguesa produtora de malhas circulares com 21 anos, que tem vindo a investir em tecnologia e em projectos green. Está sediada em Vila Nova de Cerveira.

Manuel Lopez Tocci, director de Sourcing do El Corte Inglés D.R.
Ana Tavares, directora de sustentabilidade da TINTEX D.R.
Daniel Mota Pinto, Director de estratégia e desenvolvimento de negócio da SCOOP D.R.
Patrícia Ferreira, business developer da Valérius D.R.
Isabel Rodrigues, responsável pelo departamento de sustentabilidade da Riopele D.R.
Fotogaleria
Manuel Lopez Tocci, director de Sourcing do El Corte Inglés D.R.

Por sua vez, e para a dar a conhecer a também portuguesa SCOOP, especializada em vestuário técnico de performance desportiva, o convidado foi Daniel Mota Pinto. Director de estratégia e desenvolvimento de negócio desta empresa, Daniel Mota Pinto focou, essencialmente, a missão do projecto de cariz social “Blue Soul”, no âmbito do qual a empresa recolhe peças em denim usadas para seguidamente as transformar em peças de luxo.

Patrícia Ferreira, business developer da Valérius, também apresentou um projecto de reciclagem de sucesso, que esta empresa tem conduzido nos últimos quatro anos. O projecto Valérius 360º consiste em recolher peças já usadas junto dos seus clientes, instituições ou parceiros, que depois são transformados em artigos têxteis. Uma empresa nacional que existe desde 2007, a Valérius é detentora da marca Concreto.

A última oradora convidada deste painel foi Isabel Rodrigues, responsável pelo departamento de sustentabilidade da Riopele, Isabel Rodrigues partilhou com a audiência a dupla preocupação que a empresa enfrenta ao nível ambiental: a reciclagem do poliéster – matéria-prima que mais utiliza; e, ao nível laboral, a urgência em fomentar o desenvolvimento de competências, com vista a uma maior retenção de mão-de-obra. Fundada em 1927, a Riopele é uma das mais antigas empresas têxteis em Portugal e uma referência incontornável na criação produção de tecidos de qualidade destinados à indústria da moda e vestuário.

Braz Costa, director-geral do CITEVE (Centro Tecnológico das Indústrias Têxtil e do Vestuário de Portugal) encerrou o painel, sublinhando que as quatro empresas testemunho são um “bom espelho do que é o mindset nacional” ao nível da sustentabilidade. Alertou, ainda, para a importância da transparência e da rastreabilidade que os consumidores exigem cada vez mais das marcas e produtores. No que diz respeito à reciclagem, sublinhou que os materiais futuros devem ser pensados para a reciclagem e que, não obstante muitas das empresas estarem já a reciclar grande parte dos seus desperdícios industriais, também os consumidores devem fazer a sua parte na missão reciclar.

Sustentabilidade e negócio

Por volta das 18h deu-se início ao último debate. No quarto painel - “Sustentabilidade e Criação de Valor no Longo Prazo” – a perspectiva do accionista foi também trazida à reflexão por Luís Palma da Graça, da Vallis Capital Partners. “Vemos a sustentabilidade de uma forma abrangente sobretudo como uma oportunidade de negócio, no sentido em que pressões demográficas, ambientais e económicas conduzem a oportunidades para as organizações e as empresas que, por sua vez, têm essa capacidade de olhar para o desafio”, sublinhou este conferencista.

Braz Costa, director-geral do CITEVE (Centro Tecnológico das Indústrias Têxtil e do Vestuário de Portugal) D.R.
Luís Palma da Graça, da Vallis Capital Partners D.R.
César Araújo, presidente da ANIVEC (Associação Nacional das Industrias de Vestuário e Confecção) D.R.
Fotogaleria
Braz Costa, director-geral do CITEVE (Centro Tecnológico das Indústrias Têxtil e do Vestuário de Portugal) D.R.

Por fim, a sessão desta conferência internacional foi concluída por César Araújo, presidente da ANIVEC (Associação Nacional das Industrias de Vestuário e Confecção), que reafirmou a sustentabilidade como uma “realidade incontornável para quem quer fazer negócios no mercado global, em que cada vez mais as opções de compra são ditadas pela consciência ambiental dos consumidores”. 

A Conferência MODAPORTUGAL integra o programa de acção do projecto IN.MODAPORTUGAL, co-financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional através do Programa Operacional Competitividade e Internacionalização do Portugal 2020.