O autarca Rui Pena

É ao fundador e presidente do IFPM, e seu líder, que, no dia dos seus 80 anos, levanto a minha memória e gratidão.

Amanhã, dia de Natal, Rui Pena faria 80 anos. Faz-nos falta a sua serenidade combatente. Faz falta a sua integridade, dedicação cívica e honestidade política. De tudo o que já foi dito sobre ele, uma faceta há ainda não exaltada.

O Rui Pena nunca foi formalmente um autarca. Nunca esteve numa Câmara Municipal, nem numa Assembleia Municipal, nem em Junta ou Assembleia de Freguesia. E, todavia, em substância, foi um autarca de excepção: o autarca dos autarcas.

Nos primeiros anos do regime democrático, o CDS beneficiou do apoio da Alemanha, por um sistema público de formação política e cooperação internacional, através das fundações ligadas a cada partido político alemão. No caso do CDS, foi sobretudo a Fundação Konrad Adenauer. Desta relação nascera em 1975 o IDL – Instituto Democracia e Liberdade, mais tarde Instituto Amaro da Costa.

O Partido do Centro Democrático Social era a coqueluche da democracia-cristã europeia. Todas as famílias políticas aspiram a ter consigo membros novos que sejam, para a opinião internacional, faróis de rejuvenescimento e de sucesso. Era o caso do CDS. A relação com a UEDC estabelecera-se logo em 1974, consolidou-se à mistura com o PREC e galgou para altos patamares de prestígio, após os excelentes resultados nas primeiras eleições para a Assembleia da República, em 25 de Abril de 1976. Os grandes políticos e chefes de Governo da democracia-cristã rapidamente desenvolveram admiração pelo CDS e pela qualidade dos seus dirigentes. Nos países europeus onde não havia democracia-cristã, isso aconteceu com os seus partidos conservadores e centristas. Foi amor à primeira vista – de parte a parte. E, acalmada a situação política após o 25 de Novembro, a relação de cooperação e apoio concretizou-se no início de operação do IDL, ampliando-se nos anos seguintes.

Em 1979, é lançado, por impulso do Rui Pena, outro instituto de formação, dedicado às autarquias locais e à administração descentralizada: o IFPM – Instituto Fontes Pereira de Melo.

Rui Pena era, como é sabido, um insigne administrativista, docente de Direito Administrativo e, no governo PS/CDS, em 1978, ministro da Reforma Administrativa. Foi sempre um personalista convicto, seguidor da Declaração de Princípios fundacional do CDS, que venerava. Da identidade do CDS fazia parte a valorização da subsidiariedade, da descentralização (assim como, a par, da administração desconcentrada), da proximidade administrativa com os cidadãos, das autarquias locais. Rui Pena admirava os municípios e cedo percebeu que o cultivo, a consolidação e o crescimento desses pilares é que permitiriam ao CDS enraizar-se e crescer, prestando bons serviços aos cidadãos e às suas comunidades.

As eleições de 1976 foram boas para o CDS não só na Assembleia da República (em Abril), mas também nas autarquias locais (em Dezembro): o CDS teve mais de 16% dos votos e conquistou 36 presidências de Câmaras Municipais, praticamente o mesmo que a FEPU (a coligação do PCP), que obteve 37. Era preciso cuidar e valorizar este precioso capital.

O IFPM tornou-se uma escola de formação de grande qualidade e serviço de apoio às largas centenas de autarcas do CDS que iniciavam a sua experiência. Compilou a legislação autárquica, com notas explicativas. Lançou duas revistas: Municipalismo, mensal, de partilha de experiências e carácter informativo; e Res Publica, trimestral, de natureza técnica e académica. Organizou uma biblioteca de referência. Criou um serviço de consultoria permanente para os autarcas. E ministrava cursos de formação regulares, onde, além dos técnicos, Rui Pena, o administrativista mestre e amigo, participava assiduamente.

Foi uma retaguarda notável, a que os autarcas em exercício não regateavam elogios. E era uma vantagem competitiva, pois outros partidos não tinham tido a visão de Rui Pena. Infelizmente, em 1984, conflitos intrapartidários levaram a que uma decisão precipitada e injusta cortasse o apoio ao IFPM, assim interrompendo aquele trabalho. Foi a machadada fatal nos apoios aos autarcas democratas-cristãos, antecipando o declínio de anos depois – até hoje sem regresso.

Trinta e cinco anos depois, continua por reparar esse erro. É ao fundador e presidente do IFPM, e seu líder, que, no dia dos seus 80 anos, levanto a minha memória e gratidão. Grande Rui!

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