Os “mistérios” de 2020 entre Centeno e Trump

2020 trará dois “mistérios” para Portugal e para o mundo: o da permanência ou saída de Centeno, o mago das “contas certas”, e o da reeleição ou derrota de Trump, vencido finalmente por um sobressalto democrático contra o afundamento da democracia.

Eles não têm nada a ver um com o outro, a não ser que os seus destinos se jogam ambos no ano que vem. O primeiro poderá ser o mais importante governante português a mudar de palco em 2020 (os sinais dados pelo próprio nesse sentido vão-se acumulando, agora numa entrevista ao Expresso). E a reeleição ou não do segundo como Presidente dos Estados Unidos irá marcar decisivamente, daqui a onze meses, o futuro do mundo e de toda uma geração.

Contra a aparente lógica das coisas e de ocupar a ingrata pasta das Finanças, Mário Centeno foi o ministro mais popular do Governo anterior. Agora, porém, parece ter-se cansado – e desencantado? – de tal percurso supostamente venturoso, admitindo já um próximo refúgio à frente do Banco de Portugal. Já Trump, apesar da definitiva demonstração da sua falta de estatura ética e política para ocupar a presidência da mais poderosa potência mundial, poderá beneficiar do efeito bizarro de dois factores estranhos entre si: a melhoria da conjuntura económica americana e o fracasso previsível do impeachment em curso por força da votação da maioria republicana no Senado (maioria essa que se deixou submeter servilmente à “trumpização”).

A saída de cena de Mário Centeno do Governo em 2020 pode ser explicada no essencial pela perda do estatuto privilegiado que desfrutava junto de António Costa. Por mais que nenhum deles assuma frontalmente essa “desqualificação”, basta ver o elenco dos quatro ministros de Estado no actual Governo para concluir que o papel de Centeno como ex-número dois de Costa se diluiu nesse conjunto – e, nomeadamente, atrás de Siza Vieira. Ter-se-á Costa cansado do excesso de protagonismo político-financeiro de Centeno, condicionando a sua própria autoridade como primeiro-ministro sobre a actividade global do Governo? Terá havido equívocos num relacionamento pessoal de fresca data (do tempo de constituição do Governo anterior)? O facto é que esse relacionamento se ressentiu inevitavelmente do recente e flagrante choque de posições entre Costa como primeiro-ministro português e Centeno como presidente do Eurogrupo (sendo ele, simultaneamente, ministro das Finanças português) a propósito do orçamento europeu. Esse choque não era politicamente sustentável, por mais que Costa tenha usado e abusado, como é habitual, da sua capacidade de persuasão para negá-lo. A cena soou mesmo irremediavelmente a falso e acentuou os sinais de desavença potencial entre o primeiro-ministro e o ministro das Finanças.

A saída provável de Centeno irá influenciar profundamente a configuração do Governo português em 2020. Será mesmo o ponto central da actualidade política nacional, independentemente do que se passar noutras áreas, incluindo no equilíbrio de forças no Parlamento e na liderança do PSD. Já no plano internacional, a grande questão que irá colocar-se – apesar dos tumultos crescentes que atravessam o planeta – é efectivamente a reeleição (ou não) de Trump, com tudo o que isso comporta no plano mais decisivo dos valores políticos e morais do mundo contemporâneo.

O facto de o impeachment de Trump poder ser encarado como um trunfo a seu favor – apesar da evidência dos abusos, desmandos e obscenidade política recolhidos no inquérito da Câmara dos Representantes – mostra até que ponto se têm vindo a degradar e inverter os padrões civilizacionais que as sociedades democráticas tinham interiorizado como seu capital inalienável. E há por isso mesmo quem defenda que a condenação política e ética de Trump deveria ser evitada, uma vez que simplesmente o favorece…

2020 trará dois “mistérios” para Portugal e para o mundo: o da permanência ou saída de Centeno, o mago das “contas certas”, e o da reeleição ou derrota de Trump, vencido finalmente por um sobressalto democrático contra o afundamento da democracia.

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