Habitação: o que esperar no sapatinho de Natal

No domínio habitacional, a dotação orçamental é incomparavelmente inferior aos domínios da saúde ou educação, que têm um poder mediático e de reivindicação bastante superior. Nada de novo aqui, já que as políticas de habitação sempre foram o parente pobre do Estado Social.

O Orçamento do Estado de 2020 (OE 2020) pode consubstanciar-se como uma oportunidade para tentar inverter as recentes tendências que se instalaram no mercado de habitação português. As transformações mais visíveis têm sido a valorização do valor do metro quadrado no centro das duas principais áreas metropolitanas e, por consequência, a crescente dificuldade no acesso à habitação, tanto no mercado de compra como de arrendamento.

No plano político, cedo pareceu existir uma resposta ao renovado problema da habitação, com a criação da Secretaria de Estado da Habitação (SEH), em Julho de 2017, que apresentou, em Outubro do mesmo ano, a Nova Geração de Políticas de Habitação (NGPH). Nesse âmbito e a pedido da recém-criada SEH, o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) realizou um “Levantamento nacional das necessidades de realojamento habitacional, apresentado em Fevereiro de 2018. A NGPH resultou, entre outros, na criação de programas habitacionais muito diversos, como o Primeiro Direito (2018), o Porta de Entrada (2018) e o Programa de Arrendamento Acessível (2019). Para além disso, no meio de algum frenesim legislativo, o Parlamento alterou várias disposições estipuladas em 2012 para o mercado de arrendamento e, mais recentemente, foi aprovada a Lei de Bases da Habitação. No plano teórico, pode dizer-se que estes foram avanços importantes para a construção de uma nova estratégia habitacional para dar resposta aos desafios actuais.

No plano prático, o OE 2020 mostra reforço – por comparação com os anos anteriores – das verbas alocadas no domínio habitacional. Sabe-se, para já, que o IHRU irá dispor de 135 milhões para investir em políticas habitacionais (acrescem receitas próprias), dos quais 50 milhões vêm do Banco Europeu de Investimentos e 85 milhões da Direcção Geral de Tesouro e Finanças, beneficiando-se, aqui, de dez milhões de euros que resultam do agravamento do IRS de 35% para 50% do Alojamento Local (AL) em áreas de contenção. Esse agravamento de IRS poderá não agradar aos proprietários de AL, mas parece ser uma medida importante para o regresso ao mercado de alojamentos que se encontram alocados ao turismo, até porque está igualmente prevista uma isenção de tributação para quem retirar a propriedade de AL e a colocar no arrendamento habitacional durante cinco anos.

Por sua vez, o Primeiro Direito gozará de 136 milhões em 2020, num total de 700 milhões previstos até 2024. Prevê-se, também, a promoção de 25 mil habitações, até 2024, para “agregados de rendimentos intermédios”, assim como a criação de uma Bolsa Nacional de Alojamento Urgente, para dar resposta a situações de extrema vulnerabilidade habitacional. Acentuando a óptica de descentralização, o OE 2020 permite uma excepção no endividamento municipal para promover programas de arrendamento acessível e o Primeiro Direito.

Segundo o Relatório do OE 2020, o Porta 65 será reforçado em relação ao ano anterior e estão previstos 32,6 milhões para juros bonificados (instrumento que, apesar de ter sido encerrado no início do século XXI, continua a onerar o erário público). Na reabilitação, dá-se continuidade à actividade dos Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado, IFRRU 2020, Reabilitar para Arrendar, Casa Eficiente 2020 e do Programa da Habitação ao Habitat, sendo este último destinado aos bairros de habitação pública.

No domínio habitacional, a dotação orçamental é incomparavelmente inferior aos domínios da saúde ou educação, que têm um poder mediático e de reivindicação bastante superior. Note-se que este cenário não é propriamente uma novidade, já que as políticas de habitação sempre foram o parente pobre do Estado Social, mesmo que se reconheça que, sem uma habitação condigna, todos os restantes direitos ficam condicionados.

Estando traçadas as linhas gerais do OE, faltará esperar pelo documento final, sabendo-se, à partida, que, sem maioria parlamentar, existirá sempre a necessidade de negociar. Isto é, o resultado do OE 2020 não depende só do Governo e responsabilizará também aqueles que o aprovarem. No domínio da habitação, parece pouco provável que alguém pegue no tema como bandeira orçamental, até porque, no último debate quinzenal, pouco se falou de habitação. Não obstante os reforços de programas e as verbas alocadas no próximo OE, falta saber se as regras se mantêm no Programa Vistos Gold e em medidas de isenção fiscal para fundos de investimento imobiliário, entre outras questões, pelo que não será de estranhar que as tendências dos últimos anos se mantenham em 2020, em dependência dos caprichos do mercado.

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