Propostas para demarcar um debate

Ao que parece, os media vão mal. Há pois quem queira que todos sejam ajudados. Mas há que fazer escolhas…

De repente faz-se luz! Que importa que haja quem ande há longos anos a fazer notar que a situação da informação jornalística em Portugal é incrivelmente insuficiente. E que a imprensa de informação geral se encontra num estado perto da miséria. Constatações estas feitas a partir, não de uma qualquer perceção impressionista, mas sim do conhecimento do que são as paisagens mediáticas e jornalísticas para além da fronteira com o país vizinho…

Pouco importa! O facto é que tal triste situação passa agora a ser tema de discussões, artigos e colóquios diversos. Regozijemo-nos, pois, com isso. Embora tenhamos que constatar que se manifestam por aí ambições claramente desmedidas. Como se fazem também muitas afirmações desprovidas do mais elementar fundamento.

Por obras de magia descobre-se que os media portugueses precisam de ajuda. Mas de uma ajuda indiferenciada: a imprensa nacional como a regional, a imprensa diária como a periódica, a rádio como a televisão e sabe-se lá mais o quê! Ora, como dizem os francófonos, “qui trop embrasse mal étreint” (traduzido à letra: quem muito abraça mal enlaça). E a situação financeira portuguesa não é particularmente gloriosa para que, num aceno de varinha mágica, se possam resolver os numerosos problemas do sector.

Em termos europeus, é a informação escrita que, incontestavelmente, se encontra em pior posição. Portugal é o país de Europa ocidental que conta menos publicações generalistas, diárias ou periódicas, em papel ou em digital, e as existentes têm também as difusões mais baixas. É ela pois que convém urgentemente relançar. Mas a solução não pode consistir em financiar em absoluto, a fundos perdidos, as publicações que já existem. Até porque, se as coisas vão mal, os seus dirigentes lá terão alguma responsabilidade em termos de posicionamento editorial, de maneira como tratam a informação ou de como concebem a distribuição e a comercialização dessas publicações.

Há pois que privilegiar o lançamento de novas publicações (em papel ou em digital), assim como as iniciativas realmente inovadoras das já existentes. No caso das novas, há que dar a prioridade aos lançamentos nas regiões do país que são verdadeiros desertos em matéria de informação, mas também àquelas que se propõem ocupar posicionamentos editoriais descurados. No que respeita às publicações existentes, há muitos aspetos ausentes na sua conceção atual: delegações nas regiões, correspondentes no estrangeiro, jornalistas especializados, circuitos de distribuição, promoção das assinaturas, conquista de novos leitorados…

Num estilo em que a vida social em Portugal passou a estar prenhe, houve logo quem viesse com grandes declarações contra as ajudas do Estado! Uns porque pensam que vão pagar mais impostos (e preferem a ignorância que os levará um dia a recusar ajudar estabelecimentos de ensino ou teatros, por exemplo). Outros porque, quando lhes falam de Estado, tiram logo o revolver do bolso! Fazendo afirmações pura e simplesmente absurdas, como se não houvesse velhas democracias consolidadas que preveem anualmente ajudas à imprensa, sem intervirem no que quer que seja na conceção e no tratamento da informação pela imprensa!

Mas, por que limitar as ajudas ao Estado? Porque não constituir um Fundo jurídica e solidamente autónomo, para o qual possam contribuir tanto fundos públicos (do Estado português e da União Europeia) como fundos privados (de empresas, instituições ou simples cidadãos)? E por que não pôr à frente deste Fundo gente de indiscutíveis competência, independência e princípios éticos, que analisará os dossiês de candidatura a ajudas financeiras? Dossiês provenientes de empresas já presentes no sector da imprensa ou de empresas constituídas para a circunstância, reunindo obrigatoriamente jornalistas e gestores.

Se a paranoia em relação ao Estado e às empresas continuar a ser o terreno fértil de todos os que veem manobras e complôs por todo o lado na prática jornalística (mas que manifestamente tudo ignoram da história dos media e do jornalismo), teremos então que constatar que os portugueses correm alegremente para o precipício da ignorância sem se darem por isso [1]…

[1] Do mesmo autor “Uma urgência demasiado esquecida”, in PÚBLICO, 2 de março de 2016.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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