Há um problema quando a droga não é um problema

Teremos um problema se continuarmos a fingir que a toxicodependência é um problema resolvido. E teremos outro se a criminalização voltar a ser incluída na agenda política.

Três ex-ministros da Saúde, cinco bastonários e professores universitários assinaram uma carta aberta na qual sugeriram que as questões do consumo de droga fossem devidamente valorizadas e que fosse criada uma “instituição com autonomia e dimensão adequada” para lidar com elas como a que existiu até 2012 (o Instituto da Droga e da Toxicodependência, extinto por determinação da troika). O que esta posição tem subjacente é a consciência de que Portugal continua a viver das graças do modelo de descriminação do consumo adoptado em 2001, num pico de consumo mais problemático e de infecção por VIH/sida, e que pouco foi feito a partir daí.

Os programas de austeridade impuseram cortes nas políticas de prevenção, tratamento e redução de danos associados ao consumo de droga em vários países europeus, sobretudo em Portugal, Irlanda e Grécia. O que se passou a seguir foi um vazio. Os problemas de consumo de droga diminuíram na sequência da mudança legislativa e o que então antes era classificado como “flagelo social” teve tendência a normalizar-se. O consumo problemático de droga, sobretudo a injectável, tornou-se invisível, logo, deixou de se falar nele.

Mas a verdade é que na sequência da diminuição das respostas públicas, do aumento da potência de algumas substâncias ou do agravamento dos consumos impõe-se que se olhe de novo para a questão. O problema não se resolve por deixar de ser visível a olho nu; por se ter deslocado para outras zonas da cidade e a pressão pública se ter desvanecido por causa disso. Este é o tipo de problema que não se resolve; que se transfere.

O mercado ilegal das drogas tem vindo a sofisticar-se. A produção e toda a logística de distribuição disseminou-se através das redes regulares da venda online, quer através das redes obscuras da Internet. Por outro lado, há preocupações crónicas que se mantêm e que não desaparecem com uma varinha mágica. As políticas públicas nesta matéria foram sucessivamente secundarizadas e o ex-ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes ignorou-as definitivamente. Só agora, apesar de previstas na legislação de 2001, é que as salas de consumo assistido começam a ganhar forma em Lisboa e serão instaladas em breve no Porto, caso a câmara se entenda com o Ministério da Saúde. Teremos um problema se continuarmos a fingir que a toxicodependência é um problema resolvido. E teremos outro se a criminalização voltar a ser incluída na agenda política.

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