António Costa aprendeu a comunicar

É conhecida a dificuldade de António Costa em transmitir a sua mensagem política. Com um programa estruturado e alterações profundas na orgânica do Governo, desde que tomou posse Costa ainda não soube explicar ao país as razões dessa mudança.

É já um clássico que, em campanha eleitoral, o líder do PS se enrola na mensagem para os eleitores e, ao longo dos quinze dias de estrada, vai perdendo votos. Foi também padrão, na última legislatura, as novidades sobre Orçamento do Estado serem reveladas pelo PCP e sobretudo pelo BE, ­ um protagonismo que os socialistas deixaram que singrasse para gerir os equilíbrios de imagem dos parceiros de aliança parlamentar.

Agora, Costa parece ter, finalmente, interiorizado que não há medidas políticas percebidas pelos cidadãos se não forem transmitidas de forma clara. Percebeu a importância que tem a propaganda bem-feita e como ela é essencial à política.

Exemplo desse salto de qualidade comunicacional é a forma como o Governo geriu a última semana. Primeiro, foi o anúncio de que a ministra da Justiça, Francisca van Dunem, entregará ao grupo de trabalho que vai elaborar a estratégia nacional de combate à corrupção um caderno de encargos para medidas como a colaboração premiada, a separação de megaprocessos, a criação de juízos especializados em corrupção, os acordos de sentenças e que os magistrados que investigam façam parte das equipas de acusação em julgamento. 

Seguiu-se uma operação táctica de divulgação parcelar dos conteúdos do Orçamento do Estado para 2020 (OE2020). Na terça-feira de manhã, o ministro das Finanças, Mário Centeno, apresentou no Parlamento as linhas mestras do OE2020. Revela um cenário macroeconómico melhor do que o enviado para Bruxelas em Outubro. Depois de, naquele documento, ter indicado défice zero, agora Centeno prevê um superavit de 0,2% e um crescimento económico de 2%. 

Nessa tarde, no debate quinzenal, o primeiro-ministro anunciou que, na quarta-feira, iria realizar-se um Conselho de Ministros extraordinário para aprovar uma “estratégia plurianual para o conjunto da legislatura na área da Saúde para ir reduzindo a suborçamentação e o nível de endividamento no Serviço Nacional de Saúde e também em matéria de investimento em equipamento, instalações e recursos humanos”. 

Na manhã seguinte, mais um passo. Às 9h23, escreve no Twitter sobre o “passo decisivo” que será dado pouco depois em Conselho de Ministros. Finda a reunião, a ministra da Saúde, Marta Temido, desdobra-se em declarações e entrevistas, anunciando que haverá um reforço de 800 milhões para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) em 2020, já em 2019 serão libertados 550 milhões para pagar dívida acumulada no sector estatal da Saúde e ainda 190 milhões para investimentos em infra-estruturas durante 2020 e 2021. Mais: anuncia que haverá autonomia de gestão no SNS. 

Na mesma quarta-feira, é libertada a confirmação oficial de mais um pedaço do Orçamento do Estado. O Ministério das Finanças emite um comunicado em que assume um aumento salarial de 0,3% para todos os funcionários públicos, na sequência de reuniões entre a ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, Alexandra Leitão, e a Federação de Sindicatos de Administração Pública. 

Na íntegra, o OE2020 só será conhecido na  segunda-feira, mas são expectáveis outras novidades. Depois de 2019 ir fechar, ao que tudo indica, com défice zero, embora as previsões prudentes do Governo falem ainda em 0,1% de défice­, o Governo terá de olhar para o investimento público. Costa prometeu-o no programa eleitoral e na campanha. Sobre Justiça (combate à corrupção) e SNS já há evolução. Resta esperar pelos inadiáveis investimentos na escola pública, em serviços públicos de soberania (Segurança e Forças Armadas), e ainda nos Transportes e na Habitação.

Perante o facto de o Governo ter finalmente aprendido a comunicar as suas medidas, haverá lugar para encontrar divergências e rupturas entre Costa e Centeno? Como se fosse possível imaginar que o OE2020 não foi feito com o acordo e as decisões de Centeno. Basta pensar que o OE2020 mantém a linha de rumo traçada por Centeno e prevê um superavit de 0,2%. Em nada Centeno está posto em causa e é evidente que o ministro das Finanças só pode estar de acordo com o que o Programa do Governo diz sobre investimento nos serviços do Estado. Nem há sustentação para pôr em causa a unidade entre Costa e Centeno no plano europeu, em que tudo indica que o ministro das Finanças continue a presidir ao Eurogrupo, como já aqui escrevi

Terá sido em resposta a esta tentativa de desgaste que o primeiro-ministro confessou o seu projecto de poder a longo prazo, no debate quinzenal, ao afirmar a Cecília Meireles, quando a líder parlamentar do CDS o interrogou sobre regionalização: “Tenho muita esperança de estar cá para lhe responder na próxima legislatura.” Tanto mais que Costa aprendeu a comunicar.

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