Os menores também têm direito à privacidade

A portaria conjunta dos ministérios da Justiça e da Educação para troca de informações sobre o percurso escolar e judicial dos menores de idade gera uma expectativa e um fundado receio.

Os tribunais vão passar a ter acesso automático aos dados dos alunos menores de idade quando existem processos judiciais nos quais os mesmos estão envolvidos e aos nomes e moradas dos respectivos encarregados de educação. O sistema judicial saberá sempre de forma mais célere que escola frequentam, que notas obtiveram, se faltam ou não faltam às aulas e se têm ou não processos disciplinares. A troca de informação entre as escolas e os tribunais também permitirá às primeiras saber se existem ou não processos judiciais que impendem sobre os seus alunos.

A portaria conjunta dos ministérios da Justiça e da Educação gera uma expectativa e um fundado receio. A partilha de informações pode ajudar os serviços públicos a sinalizar atempadamente percursos judiciais e escolares, de modo a garantir uma intervenção que proteja o interesse das crianças e menores de idade. Mas, ao mesmo tempo, gera receios de má utilização de dados sensíveis, que podem originar violações grosseiras da privacidade.

Foi isso que a Comissão Nacional de Protecção Dados sublinhou no seu parecer acerca da nova portaria, por entender que o texto na sua origem é omisso quanto às medidas de segurança adoptadas para proteger a informação recolhida. O Governo optou por ignorar o parecer da comissão e avançou com a publicação da portaria em Diário da República uma semana depois. Escusadamente, diga-se. Na verdade, a formulação escolhida é demasiado vaga, como assinala o parecer, e não esclarece como é que a confidencialidade é salvaguardada no sistema.

Afirmar que os sistemas electrónicos envolvidos, do ministérios da Justiça e da Educação, seguem as normas de segurança “legalmente estabelecidas, por forma a assegurar a confidencialidade dos dados”, ou que os que têm acesso à informação em causa “ficam obrigados ao dever de sigilo em termos legais”, figura no domínio das boas intenções e peca por omissão.

A bondade da portaria não colhe. Nela não se refere sequer quem pode ter acesso aos dados, o que deveria ser algo assegurado à partida. O registo electrónico de quem consulta os dados também não é suficiente para inibir possíveis utilizações gravosas para os menores em causa. Além disso, a fiabilidade dos sistemas informáticos da Justiça não é indiscutível, como se depreende do colapso do Citius, que deixou os tribunais em estado de coma durante 44 dias, sem que ainda alguém tenha explicado porquê. Uma declaração de princípios não é suficiente para afastar o receio.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários