Aguenta, coração

PS, PCP, BE e Os Verdes já não são virgens. Mostram ter vontade de aprovar o Orçamento - e paciência para avançar com passinhos lentos.

Na anterior legislatura, os partidos eram uns novatos nestas andanças, fizeram uns acordos “modestos” (nas palavras da bloquista Marisa Matias), ao fim de dois anos a lista de encargos começou a esgotar-se e volta e meia a “geringonça” tremia. Agora, PS, PCP, BE e Os Verdes não são virgens. As negociações para o Orçamento revelam que todas as partes estão com genuína vontade de aprovar o documento e, apesar de algumas declarações mais inflamadas para consumo na praça pública, revelam também que haverá paciência para ir avançando com passinhos lentos.

  1. Veja-se o caso da baixa do IVA na factura da luz. Perante a ameaça de uma coligação negativa, o que fez o Governo? Ganhou tempo. Consulta Bruxelas para baixar o IVA apenas nos escalões mais baixos de consumo e inscreve a medida no OE enquanto espera por luz verde. Uma saída airosa para todos. Para o Governo, que mostra aos parceiros que está empenhado em encontrar uma solução. E para os partidos de esquerda, que não perdem a face se o tema for adiado por mais um ou dois anos.
  2. Pensões de reforma. A esquerda pede ao Governo um aumento generalizado das pensões de reforma. A avaliar pela resposta de Mário Centeno nos aumentos da função pública, a expectativa não é a de que o Orçamento do Estado para 2020 traga um grande passo. Já se percebeu que António Costa está apostado em medidas cirúrgicas que privilegiem os beneficiários de prestações sociais dependentes de condições de recurso. Dito de outro modo, o Governo quer que os novos apoios sejam canalizados directamente para quem mais precisa e não sejam medidas gerais. Assim sendo, é natural que a boa notícia para os idosos venha já através do aumento do complemento solidário.
  3. Creches e filhos. O PCP está a insistir com a sua proposta de inscrever neste Orçamento do Estado as verbas necessárias para criar 25 mil novos lugares em creches. Em 2016, o PS tinha negado quaisquer pretensões nesse sentido ao ser o único partido a votar contra uma proposta de resolução do PCP que pedia um levantamento das necessidades existentes ao nível de creches e a criação de “uma rede pública de creches”. Emendou a mão pouco tempo depois, no programa eleitoral às legislativas, prometendo “investimento na rede de equipamentos sociais de apoio à infância, nomeadamente creches e jardins-de-infância”, a criação de cheque-creche a partir do segundo filho; “promover, em parceria e com o envolvimento de diferentes actores, incluindo os municípios, um programa de alargamento das respostas sociais de apoio à família, em particular para a infância e com especial incidência nas áreas metropolitanas"; “estimular a oferta de serviços de creche para os filhos dos profissionais de saúde”. Os sinais dados pelo Governo até agora são no sentido de dar prioridade ao aumento das deduções em sede de IRS a partir do segundo filho. Ficará por aí a preocupação com as famílias?
  4. Empresas. O namoro com os empresários ainda não produziu muitos frutos. O rol de reivindicações é grande, mas o executivo de António Costa ainda só se comprometeu a a avançar com o aumento em 20% do montante máximo dos lucros retidos e reinvestidos que as empresas podem deduzir à coleta do IRC.
  5. Tratar da Saúde. A grande aposta deste Orçamento, já se sabe agora, são os 800 milhões de euros para o reforço do Orçamento da Saúde - o dobro daquilo que Mário Centeno quer guardar como excedente orçamental no final do ano. O Governo foi ao encontro das preocupações do BE e do PCP, acenando com o exacto montante que o partido de Catarina Martins pedia. Mas a eliminação das taxas moderadoras, por exemplo, não constará já do pacote para 2020.
  6. Salários. O aumento dos salários da função pública será 0,3%, ou seja, abaixo da inflação prevista para 2020. O Ministério das Finanças prometeu aumentos mais generosos apenas para depois de 2021.

Nesta legislatura, não haverá “uma bebedeira de medidas”, usando uma expressão de Paulo Portas, em 2015. Embora Mário Centeno possa estar em fade-out, não sairá sem deixar uma almofada para os eventuais solavancos da economia europeia.

Sugerir correcção
Comentar