Sexta às 9 cancela reportagem após intervenção da directora de informação da RTP

Maria Flor Pedroso, directora de informação da RTP, falou com a dirigente da instituição de ensino visada pela investigação jornalística, mas negou ter revelado o objecto da reportagem. Situação levou à convocação de um plenário de jornalistas. É já o segundo conflito público entre a equipa do programa de Sandra Felgueiras e a direcção do canal.

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Paulo Pimenta

O programa televisivo Sexta às 9 cancelou a emissão de uma reportagem sobre “suspeitas de corrupção” no Instituto Superior de Comunicação Empresarial (ISCEM), que foi encerrado compulsivamente em Setembro. A directora de informação da RTP, Maria Flor Pedroso, que também foi docente daquela instituição de ensino, admitiu em acta do conselho de redacção da estação pública que recomendou a Regina Moreira, directora do instituto, que respondesse às questões colocadas por escrito. Segundo Maria Flor Pedroso, tratou-se apenas de uma tentativa de “ajudar” a investigação. A situação gerou mal-estar junto da equipa do Sexta às 9 e críticas do conselho de redacção da RTP, órgão que representa os jornalistas da estação pública. A directora de informação acabou por pedir desculpa pela intervenção. 

A situação foi revelada na última reunião extraordinária do conselho de redacção, que aconteceu esta quarta-feira. A “gravidade dos factos revelados” levou mesmo à marcação de um plenário de jornalistas para a próxima segunda-feira, uma vez que não se encontram “reunidas as condições imprescindíveis para um desejável clima de tranquilidade e confiança entre todos os jornalistas da RTP”, justifica o conselho de redacção, numa mensagem enviada aos jornalistas e a que o PÚBLICO teve acesso.

De acordo com o documento, a coordenadora do programa de investigação, a jornalista Sandra Felgueiras, “acusou” a directora de informação “de violação do dever de sigilo, ao transmitir à principal visada na reportagem informação privilegiada”.

Partindo do relato de vários alunos, o Sexta às 9 estava a investigar os supostos pagamentos em “dinheiro vivo” dos emolumentos de transferência para outras instituições do ensino superior, após o encerramento do ISCEM em Setembro deste ano, que foi decretado pela Agência de Avaliação do Ensino Superior (A3ES). Seria ainda investigada uma acusação de um arquitecto que alegava que Regina Moreira, directora daquele instituto, lhe devia dois milhões de euros.

Uma jornalista do Sexta às 9 já tinha tentado contactar a directora do instituto para uma entrevista, sem especificar o assunto em causa, mas não tinha obtido resposta – algo que era do conhecimento da directora de informação. Regina Moreira entrou em contacto com a jornalista do Sexta às 9 uma única vez: num email a dizer que, por recomendação de Maria Flor Pedroso, “só iria responder às perguntas do programa Sexta às 9 por escrito”. Já o arquitecto autor da segunda acusação acabaria por informar o programa que não consentia a transmissão de uma entrevista com a RTP que já tinha gravada, uma vez que a dívida em causa fora entretanto paga.

Directora de informação nega ter revelado objecto da investigação

Contactada pelo PÚBLICO sobre estas acusações, Maria Flor Pedroso informou que todas as perguntas seriam respondidas pelo gabinete de comunicação do canal público.

Numa nota enviada ao PÚBLICO, a direcção de informação da RTP explica que Maria Flor Pedroso foi docente de jornalismo radiofónico no instituto desde 2006. No final de uma “reunião de docentes”, no dia 8 de Outubro, foi interpelada por Regina Moreira, “dando-lhe conta de que tinha recebido vários contactos e chamadas do Sexta às 9 com um pedido de entrevista que ela não queria dar”. Numa tentativa de defender “os interesses da RTP” perante a “reiterada recusa da entrevista”, Maria Flor Pedroso sugeriu que a directora do ISCEM respondesse por escrito “sem, nunca, a ter informado da investigação do Sexta às 9”.

Foi o que disse também na reunião com o conselho de redacção e que está escrito em acta: que encontrou Regina Moreira que informou a directora de informação da RTP que foi contactada pelo Sexta às 9 “e que não iria dar entrevista”. Terá sido aconselhada, então, a “responder por escrito para que o programa não perdesse toda a história”, lê-se no documento. Na reunião, Maria Flor Pedroso pediu desculpa à equipa, mas frisou que “tentou ajudar”, uma vez que “tinha acesso a fontes não alcançáveis pelos jornalistas”.

A explicação remetida pelo gabinete de comunicação da RTP dá ainda conta de que a directora de informação “indagou junto do serviços administrativos se era verdade que os alunos eram obrigados a pagar em dinheiro”. Responderam-lhe que a razão era a falta de um terminal multibanco na escola. Essa informação foi passada a Cândida Pinto, directora-adjunta da RTP, que, de acordo com a acta do conselho de redacção, disse à jornalista a cargo da investigação que, por causa disso, “a investigação ‘poderia não ter pernas para andar’” – afinal, estaria explicado porque é que os alunos pagavam em dinheiro.

De acordo com a acta da reunião, a “audição da jornalista Sandra Felgueiras” decorreu num “ambiente muito tenso”. Nem Sandra Felgueiras nem Maria Flor Pedroso ponderam demitir-se. Nas explicações enviadas pela direcção de informação, reitera-se também que o Sexta às 9 é “estratégico para a RTP”, refutando as alegações sobre o desinvestimento no programa.

Este não foi o único ponto de tensão dos últimos meses entre a equipa do programa e a direcção da RTP, com a jornalista Sandra Felgueiras a denunciar um alegado atraso na emissão de uma reportagem do Sexta às 9 sobre a exploração de lítio, que estaria pronta a ser emitida em Setembro, antes das eleições legislativas, mas que só foi transmitida em Outubro, quando o programa voltou à grelha da RTP. A controvérsia motivou um pedido de debate de actualidade no Parlamento para a próxima quinta-feira, por iniciativa do PSD.

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