Longevidade: um futuro que se constrói no presente

A Santa Casa tem mais de 520 anos. Não esquece o valor do construído com tempo, sem se demitir de olhar o novo. Bênção e desafio, a longevidade é pensada pela instituição sem barreiras ao pioneirismo.

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John B. Goodenough tornou-se em 2019, já aos 97 anos, a pessoa mais velha a ganhar um Nobel, com a sua investigação sobre baterias de iões de lítio. Por cá, Siza Vieira, 86 anos, é autor de mais uma ponte pedonal, a construir sobre o rio Minho, entre Vila Nova de Cerveira e Tomiño, depois de décadas ao serviço da reabilitação de escolas, museus e bairros sociais por todo o país. O exemplo mais marcante da longevidade em Portugal será, no entanto, Manoel de Oliveira, que morreu em 2015, aos 106 anos, e fez filmes praticamente até ao fim da longa-metragem da sua vida.

Escrevia José Saramago sobre o “fluir inexorável do tempo” que “é preciso andar muito para se alcançar o que está perto”. A longevidade, ampliada pela melhoria crescente dos cuidados de saúde e de conforto, acrescentou um valor inédito à sociedade: o do convívio e da partilha entre gerações que anteriormente não se cruzariam. Mas a extensão da esperança média de vida pode, ironicamente, abater-se nos núcleos familiares e comunitários como uma desesperança.

Abandonar as respostas de “velho do restelo” a um fenómeno cada vez mais contemporâneo impõe-se como uma necessidade premente. É nisso que acredita a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que este ano lança a primeira edição dos Prémios Santa Casa Longevidade.

Selar um novo compromisso com os mais velhos

Símbolo também de uma longa vida, com mais de cinco séculos de existência, a instituição quer envolver a comunidade científica na construção de “respostas mais reflectidas sobre o que está a acontecer”. Maria da Luz Cabral, coordenadora do projecto Prémios Santa Casa Longevidade, preconiza a importância de “pensar naquilo de que vamos precisar no futuro nesta demanda da longevidade”.

Edmundo Martinho, Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa na apresentação Prémios Santa Casa Longevidade. SCML
Ana Godinho, Ministra do Trabalho e Segurança Social na apresentação Prémios Santa Casa Longevidade. SCML
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Edmundo Martinho, Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa na apresentação Prémios Santa Casa Longevidade. SCML

Com um mestrado em intervenção comunitária e, sobretudo, 25 anos de experiência nesta área da “cidadania, longevidade e estatuto que estas pessoas ocupam na sociedade”, a responsável do projecto está consciente da necessidade de não ter pressa a aplicar conhecimentos, mas não perder tempo na sua procura. “Este tema sempre me causou bastante inquietação”, admite.

“As respostas que hoje temos do ponto de vista social são as mesmas que foram ponderadas há mais de 25 anos. As pessoas que hoje chegam a essa faixa etária já querem outro tipo de resposta”, explica Maria de Luz Cabral, para quem esta ideia, inserida na iniciativa “Lisboa, cidade de todas as idades”, vem “promover uma dignificação das pessoas e uma valorização desta faixa etária”.

Tal como uma sociedade, que fica mais pobre quanto menos interacção intensificar entre diferentes taxas etárias, também as áreas do saber se devem entrelaçar para apresentar a abordagem mais rica e completa a um desafio que é de todos. “Abrimos a porta a esta abrangência para não restringir. Podemos estar a falar das questões da saúde, das questões sociais, das questões da robótica, do digital, da psicologia, da educação.”

Este prémio, “pioneiro, na vanguarda da procura das condições, das metodologias e dos serviços inovadores e originais para a promoção da autonomia, da autodeterminação e da participação das pessoas”, tratará, portanto, de “privilegiar projectos de natureza interdisciplinar, multidisciplinar e transdisciplinar”. 

A realizar-se de dois em dois anos, os Prémios Santa Casa Longevidade vão abranger três eixos estratégicos - vida activa, vida autónoma e vida apoiada - atribuindo ao melhor projecto de investigação científica em cada uma destas áreas o valor de 100 mil euros, o que perfaz um valor global de 300 mil euros.

“A longevidade é um tema com um enorme potencial. O facto de haver uma aposta na amplitude destes saberes beneficia a sociedade e a Santa Casa. Se tivermos a sorte de viver muito tempo, queremos ser tratados de forma digna, para que possamos viver as circunstâncias dos nossos tempos”, fundamenta Maria da Luz Cabral.

Multifactorial e “complexo”, o processo que envolve o aumento da longevidade nem sempre encontra respostas satisfatórias dentro dos limites de cada uma das áreas do saber. A Santa Casa quer transformar a forma de pensar esta nova “ordem social”. “Nós somos comunidade”, refere Maria da Luz Cabral, empenhada em desenvolver este projecto de uma forma “absolutamente transdisciplinar, integrada e articulada”.

E porque há muitas vidas para viver numa só existência, a coordenadora lembra a importância de construir projectos “de pessoas para pessoas e com pessoas” para uma “uma sociedade mais humana, e, com certeza, melhor”. As candidaturas estão abertas até 18 de Dezembro. Depois, seguir-se-á para uma “primeira fase de elegibilidade das candidaturas”, e conta-se que em Julho de 2020 sejam atribuídas estas recompensas para os cientistas dos novos tempos que os pensam sem deixar os mais velhos de fora.