Quanto vale ter um marido com dificuldade em concluir o acto sexual? Quinze mil euros redondos

Mulher exigiu que seguradora lhe pagasse 120 mil euros devido às lesões sofridas pelo marido num acidente de viação, que afectaram o seu desempenho sexual. Justiça não vai além dos 15 mil euros.

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A comunhão conjugal é protegida pelo Código Civil Adriano Miranda

Por considerar que passou a estar “mutilada” desde que o seu marido deixou de conseguir “consumar o acto sexual e de procriar”, na sequência de ferimentos causados por um acidente de viação ocorrido em 2013, uma mulher de Tomar tem vindo a exigir uma indemnização de 120 mil euros, um montante que a justiça já lhe recusou por duas vezes.

A última decisão, a cargo do Tribunal da Relação de Évora (TRE), data de 21 de Novembro passado, adianta o Diário de Notícias nesta quinta-feira. No acórdão, que já está disponível para consulta, o TRE confirma o montante da indemnização fixado anteriormente: 15.000 euros, a serem pagos pela companhia de seguros em que estava inscrito o condutor do automóvel que esteve na origem do acidente de viação.

Para a autora do recurso, “o dano de que é vítima foi altamente subestimado” por esta decisão. Já o TRE considera que esta indemnização é “justa e equitativa” tendo em vista o “ressarcimento do prejuízo sexual decorrente da dificuldade do seu marido em finalizar o acto sexual consequente às lesões sofridas” no acidente viário de que foi vítima.

Mais importante ainda, adianta o TRE, é o facto de o Supremo Tribunal de Justiça ter “vindo a considerar adequadas compensações entre 50.000 e 100.000 euros para a perda do direito à vida”. Ora, concluiu-se no acórdão, sendo este “um direito absoluto, do qual emergem todos os outros direitos, já se indicia a desadequação do montante” de 120 mil euros exigidos pela mulher de Tomar devido à “disfunção sexual” do marido.

Foi precisamente a recusa do tribunal de primeira instância em acolher aquele valor que levou esta mulher a apresentar recurso junto da Relação, insistindo que o condutor do veículo onde seguia o seu marido, quando se registou o acidente, “lesou de forma culposa o seu direito à sexualidade conjugal, amputando-lhe de forma brutal, o seu exercício, o que consubstancia uma violação do direito de personalidade”, que se encontra protegido tanto pela Constituição, como pelo Código Civil.

No acórdão não é referida a idade do casal, mencionando-se apenas que casaram em 1990. Sendo a possibilidade de ter sexo o que volta a estar aqui em causa, não é de estranhar que o recurso apresentado lembre a decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que em 2017 condenou Portugal por deixar que o preconceito ainda vigore no sistema judiciário português. Uma constatação a que os juízes de Estrasburgo chegaram depois de analisarem uma sentença do Supremo Tribunal Administrativo, que reduziu a indemnização de uma vítima de negligência médica com base no pressuposto de que a actividade sexual depois dos 50 anos já não é assim tão importante para as mulheres. Neste caso foi uma intervenção cirúrgica que parecia trivial que condenou a vítima a sentir sempre dores quando tinha relações sexuais.

O preço de uma disfunção

A igualdade de género ainda é um objectivo a atingir e uma das formas de o fazer é abordando as causas profundas da desigualdade gerada pelos estereótipos”, frisa-se no recurso apresentado pela mulher de Tomar. Onde se apresenta também o seguinte quadro: “A vida sexual da cidadã não é traduzível em euros. Mesmo em muitos milhares deles. Não tem preço. Esta mulher ficou privada de viver em toda a sua dimensão. É uma mulher mutilada. A sexualidade não é um ‘pecado’, nem um vício.”

O problema neste processo é que nem na primeira instância, nem na Relação, foi dado como provado que as lesões do marido ponham em causa “a violação dos direitos de personalidade” da autora do recurso. Sobre isto, lembra-se no acórdão do TRE que os problemas no desempenho do marido apresentados em tribunal se traduzem “na dificuldade em finalizar o acto sexual porque se começa a enervar e a recordar-se das dificuldades”: “Tal significa que a afectação da função sexual não é de ordem física ou biológica, mas de ordem essencialmente psíquica, ou seja, o marido não se encontra impedido de procriar, nem se encontra ser neste quadro que é necessário avaliar a “dimensão do prejuízo sexual que resulta dos deveres de fidelidade a que [a autora do recurso] se mostra vinculada pelo casamento”.

Estabelecido este cenário, e após comparação com as indemnizações em caso de morte já citadas, o TRE entendeu que os 15 mil euros que já haviam sido fixados são suficientes para o “ressarcimento do prejuízo sexual” que estava em causa.

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