Regime jurídico de transporte público “veio trazer incerteza ao sector”

Empresas de transporte que servem áreas com 5,7 milhões de habitantes garantem que serviço público vai sair degradado com a nova lei. E alertam para possíveis despedimentos.

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Andreia Gomes Carvalho

Um conjunto de 14 empresas que prestam serviço de transporte de passageiros, e que têm mais de cinco mil trabalhadores ao seu encargo e abrangem uma área geográfica com uma população residente de 5,7 milhões de pessoas, assinaram um comunicado onde alertam para os perigos em que vai mergulhar o sector com a publicação do novo do regime Jurídico o Serviço Público de Transporte de Passageiros.

Ao facto de as concessões em vigor terem sido prorrogadas sem os operadores terem sido ouvidos, acresce a decisão de fixar uma Taxa de Actualização Tarifária de 0,38%, por oposição à proposta de 3,96% feita pela associação do sector. Muitas destas empresas estão a operar em esforço, em pré-falência, e para Rui Silva, administrador da Transdev, uma das empresas que assina o documento, em causa está a degradação do serviço público e a própria sustentabilidade das empresas. “Os decisores políticos estão a tomar decisões unilateralmente, sem ouvir as empresas. A instabilidade e a precariedade em que as empresas estão a trabalhar só traz mais incertezas aos contratos. Que ninguém se admire quando as linhas começarem a fechar. Não há milagres”, comenta Rui Silva. No comunicado, as empresas alertam para a possibilidade de haver supressão de ligações, frequências ou horários e consequente supressão de postos de trabalho.

O administrador da Transdev refere-se, sobretudo, às linhas que fazem serviço público de passageiro em territórios que estão em perda demográfica e onde o transporte é mais deficitário. “Há pelo menos 20 anos que é reivindicada uma nova forma de remunerar os operadores. Não estamos a dizer que os bilhetes têm de ser aumentados, mas é preciso olhar para este problema a sério. Não somos só nós a dizê-lo. Um relatório da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes confirmou-o, num relatório do mês de Abril”, diz Rui Silva.

Nas novas tabelas para 2020 o Governo fixou uma Taxa de Actualização Tarifária de 0,38%. Um aumento muito abaixo dos 3,96% pedidos pela ANTROP, a associação do sector, que lembrou o aumento exponencial dos custos de operação “consequência dos Acordos Colectivos assinados, em 2018, entre a ANTROP e os sindicatos para os aumentos salariais, assim como o aumento dos combustíveis”, lê-se no comunicado assinado pelas empresas.

Sobre a decisão do Governo, publicada em Diário da República no dia 29 de Novembro, quando publicou o novo regime jurídico (mas que produz efeitos a partir do dia 21 do mesmo mês), as empresas alertam para o facto de esta vir a “lançar a incerteza na actividade de cada operador de transporte público rodoviário de passageiros”. “Fica-se sem saber quando é que as actuais concessões terminam de facto, já que o DL refere, apenas, que as mesmas são prorrogadas por um prazo máximo de dois anos e quais são as autoridades habilitadas para emitir a respectiva prorrogação dessas concessões”, lê-se no comunicado.

Rui Silva é mais concreto: “A 15 dias destas terminarem, prolongam concessões até dois anos, sem perguntar nada a ninguém. Eu não sei se a minha concessão se mantém por seis meses, um ano, ou dois. Com esta incerteza como é que eu consigo convencer o meu accionista a fazer investimentos tanto em hardware, como em software de bilhética, por exemplo? O serviço público vai, naturalmente, sair degradado”, concretiza Rui Silva.

O comunicado é subscrito pelas empresas Albano Esteves Martins & Filhos, Auto Viação Feirense, Auto Viação Minho, Auto Viação Pacense e Landim, Empresa Berrelhas de Camionagem, Empresa Transportes Gondomarense, Espírito Santo – Autocarros de Gaia, Grupo AVIC , Grupo Transdev, Litoral Norte – Transportes Rodoviários de Passageiros, Rodonorte – Transportes Portugueses, Rodoviária do Liz, Rodoviária do Oeste e Rodoviária do Tejo. O facto de, pela primeira vez, os operadores não se escudarem atrás das posições públicas da associação do sector, e de assinarem directamente um alerta deste tipo, só demonstra, confirma Rui Silva, “o desespero em que as empresas já caíram”.

“As empresas signatárias deste documento estão totalmente disponíveis para operarem num ambiente concorrencial e transparente, obviamente respeitando as regras da contratação pública. Mas isso implica legislação e condições claras e o lançamento de concursos sustentáveis, com regras e cadernos de encargos sem erros nem omissões, bem como os meios necessários à fiscalização a cargo da entidade reguladora”, alertam em comunicado. Rui Silva diz que representa um “operador consciente e pragmático”, que apenas aguarda mais diálogo por parte da tutela politica.

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