Greta, Macron e o futuro

O que Greta aprendeu, Macron parece ter desaprendido. Daí o contraste das imagens que nos chegaram das manifestações em França e em Espanha: os protestos, a raiva e a cólera podem traduzir sinais contraditórios para o futuro entre a esperança e a descrença.

Mudei de opinião sobre Greta Thunberg e creio que ela também mudou um pouco em relação à personagem que revelou no início da sua campanha contra as alterações climáticas. No princípio parecia-me uma personagem antipática, artificial e manipulável nos seus dezasseis anos, com algo de doentio e raivoso que prejudicava a causa pela qual se batia, porventura a mais crucial e decisiva do nosso tempo. Mas algo em mim mudou e penso que em Greta também, numa daquelas convergências aparentemente enigmáticas que nos conduzem a encontros inesperados.

Dei-me conta que o crescente movimento mundial de consciencialização da ameaça climatérica talvez não tivesse sido possível sem o protagonismo insólito desta miúda sueca que foi mostrando um veloz amadurecimento das suas atitudes – desde a tal raiva primitiva até à intensidade grave de um apelo que desafia a nossa indiferença. Sim, o que está a acontecer – embora ela avise que nada está ainda verdadeiramente a acontecer – tem o rosto de Greta, a sua fragilidade de pequena planta exposta às ventanias de um tempo perigoso.

Greta não abandonou a severidade das suas acusações contra os políticos e outros poderosos que se recusam a enfrentar a catástrofe anunciada, mas já não o faz como se fosse uma extra-terrestre de todo estranha aos jovens da sua idade. Pelo contrário, Greta vem insistindo que não é sustentável mobilizar em permanência os jovens como ela para seguir o seu exemplo. E ela própria admite não ter a certeza do que irá fazer amanhã. Greta recusa-se a ser um ícone, refém do papel que assumiu, e sabe que a causa que protagonizou face ao planeta inteiro só fará sentido se se tornar uma causa comum e inadiável para toda a humanidade.

Se mudei de opinião sobre Greta Thunberg, descobrindo o que a tornou tão importante para mobilizar a consciência adormecida dos homens face a um mundo em perigo, receio mudar de opinião num sentido negativo sobre alguém que me habituei a admirar como o dirigente político europeu mais ousado e inovador. Falo, é claro, de Emmanuel Macron, que agora enfrenta a sua segunda maior crise social como Presidente da França.

Macron ultrapassara com indiscutível habilidade e aparente convicção a crise dos “coletes amarelos”, através de uma estratégia de diálogo que pôs os franceses a comunicar uns com os outros para além das distâncias geográficas e sociais que os separavam. E, nos últimos tempos, vinha confirmando que era a personalidade política mais relevante e irreverente da Europa, quer se tratasse dessa mesma Europa ou da NATO.

O problema é que o ainda jovem Macron – um pouco ao contrário de Greta – não terá aprendido o suficiente com as lições passadas e voltou a querer assumir um estatuto de infalibilidade régia que lhe fora detectado no início do seu mandato. Daí uma das explicações para a nova crise em que a França está mergulhada por causa da tentativa de reformar a legislação sobre as aposentações (que a grande maioria dos franceses considera anacrónica e insustentável mas sem que, ao mesmo tempo, queiram mexer nela sempre que ponham em causa os seus privilégios…). Ora, o mais surpreendente é o amadorismo, a impreparação e também a duplicidade (uma mistura incongruente de reformismo escandinavo e conservadorismo gaulês) com que se pretendeu lançar mãos a uma reforma que, em 1995, já provocara tumultos políticos arrasadores. Moral possível da história: o que Greta aprendeu, Macron parece ter desaprendido. Daí o contraste das imagens que nos chegaram das manifestações em França e em Espanha (onde se realizou a cimeira do clima): os protestos, a raiva e a cólera podem traduzir sinais contraditórios para o futuro entre a esperança e a descrença.

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