A habitação é o novo desemprego

O turismo devolveu-lhes o emprego que faltou durante os tempos mais difíceis da troika, vitalizou a economia, mas acabou por lhes tirar a casa.

A Igreja Evangélica Metodista do Mirante, no centro do Porto, costumava organizar regularmente uns almoços solidários em que um punhado de desempregados fazia refeições para ganhar algum dinheiro. Ultimamente, os almoços deixaram de se realizar pela simples razão de que quem os servia encontrou emprego. O problema deles passou a ser outro: habitação.

Esta congregação, bem enraizada na comunidade que procura auxiliar, é um excelente barómetro da evolução dos problemas que enfrentam os mais frágeis nas grandes cidades. Em muitos casos, o turismo devolveu-lhes o emprego que faltou durante os tempos mais difíceis da troika, vitalizou a economia, mas acabou por lhes tirar a casa.

O mais grave é que nesta ironia está encerrado o destino de muitos milhares de portugueses, com matizes nem sempre tão dramáticas como os que foram auxiliados pela Igreja do Mirante, mas com histórias igualmente complicadas de vidas gravemente perturbadas pela falta de habitação acessível. Nos últimos anos, a habitação tornou-se um problema central, com influência directa em questões determinantes do nosso futuro como a demografia, o ensino ou o ambiente.

Só que apesar da sua dimensão, ao contrário do desemprego, este é um problema que tem mais dificuldade em se fazer ouvir. Não existem aqui sindicatos que organizem manifestações, a esquerda de protesto, que habitualmente trabalhava este dossier, tem estado enredada no apoio ao Governo e a sociedade civil, já de si pouco activa, não criou estruturas que federem o descontentamento.

Só isso justifica o silêncio político perante o falhanço óbvio do Programa de Arrendamento Acessível e só assim se percebe que nas grandes cidades, a menos de dois anos das autárquicas, a maior parte das forças políticas de oposição esteja adormecida, numa sintonia de falta de propostas partilhada com quem está no poder.

Também o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que tem feito da questão extrema dos sem-abrigo uma causa, tem de perceber que se todos nos conseguimos solidarizar com os milhares que não têm um tecto, há também centenas de milhares, talvez milhões de portugueses, que precisam de fazer ouvir a sua voz para que o poder político olhe com a devida atenção para um problema que só parece aumentar. A questão da habitação está a pedir representação.

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