Uma questão de justiça

Esvaziados os argumentos, resta a escolha a tomar: defender as nossas famílias e as PME e baixar o IVA da energia. Essa é a decisão positiva para o país.

Em Portugal, a energia é um luxo. Esta constatação não é matéria de opinião, nem sou eu que o digo: basta olhar para as tabelas do IVA. Se comprar bens de luxo, paga o IVA na taxa máxima, que é exatamente a mesma taxa de imposto que lhe aparece na fatura da eletricidade ou do gás. Está a ver, não é retórica, é a mais triste das realidades.

Nem sempre foi assim. Antes de 2011, período em que o programa da troika começou a ser implementado pela mão de PSD e CDS, a eletricidade e o gás pagavam o IVA na taxa mais baixa. Foi a austeridade que atropelou o consenso nacional que considerava a energia um bem de primeira necessidade devido à pobreza energética no nosso país.

Os dados mais recentes colocam Portugal com um nível “muito alto” de pobreza energética, o 4.º país da União Europeia segundo um estudo internacional divulgado pela associação ambientalista Zero. Pior do que nós só Bulgária, Hungria e Eslovénia. Isso significa que temos muitas famílias que não conseguem manter as suas habitações quentes durante o inverno.

As consequências da pobreza energética são brutais na saúde da população, nas suas condições de vida e de conforto. Não havendo uma estatística clara sobre este tema, os números do CODU (Centro de Orientação de Doentes Urgentes) dão conta da ponta do icebergue: entre 2012 a 2018 foram registadas 42 vítimas mortais e um total de 4758 ocorrências por inalação de monóxido de carbono. Muitas destas situações aconteceram pelo recurso a lareiras e braseiras para combater o frio, em locais pouco arejados.

É verdade que a pobreza energética é um problema multidimensional, onde o preço da energia é uma das variáveis a par da baixa eficiência dos edifícios sem isolamento ou com janelas simples. Contudo, no país em que as famílias pagam uma das faturas de energia mais caras da Europa, ninguém pode negar que o preço da eletricidade e do gás não seja um problema que tem nos mais pobres os maiores prejudicados, mas afeta a generalidade das famílias. Pagamos demasiado pela energia e isso tem de mudar.

É por isso que a redução do IVA da eletricidade e do gás é um tema que está a ganhar centralidade na elaboração do Orçamento do Estado para 2020. A energia não é um bem de luxo, é de primeira necessidade. E se são públicas as resistências que o Governo tem a esta escolha, os argumentos demonstram como a razão não lhes assiste.

A crítica mais simplista é que a redução do preço da energia incentiva o consumo e que isso é o oposto do que deveríamos fazer no tempo do combate às alterações climáticas. Ora, o programa da tarifa social de eletricidade mostrou como a redução do preço da energia não gera mais consumo, cria mais poupança das famílias, deitando por terra o argumento.

Por outro lado, as notícias dão conta que o Governo prefere baixar preço da luz pelas contribuições de empresas em vez de descer o IVA. Se o Governo quer agora iniciar a luta contra as rendas abusivas das empresas energéticas, faz muito bem - até porque no passado recente rejeitou propostas nesse sentido. No entanto, a eliminação de uma injustiça não pode justificar a perpetuação de outra: a energia deve ter o tratamento fiscal que outros bens de primeira necessidade.

Há um outro argumento que garante que a Comissão Europeia não dará aval a uma redução do IVA sobre a energia. As mesmas vozes garantiam isso no ano passado quando se mexeu no IVA sobre a potência mais baixa e nenhum desses medos se concretizou o que prova a falsidade da ideia.

Por último, há a retórica sobre o preço da medida, que colocará em causa as contas públicas. Continuamos no domínio da chantagem. Por um lado, porque há várias formas de mitigar os custos orçamentais da redução do IVA da energia, haja é vontade para esse debate. Por outro lado, porque há outras receitas que até criariam mais justiça na economia, como a equiparação do IVA da hotelaria a outros setores restauração, beneficiando das receitas do turismo para reduzir os impostos sobre as famílias.

Esvaziados os argumentos, resta a escolha a tomar: defender as nossas famílias e as PME e baixar o IVA da energia. Essa é a decisão positiva para o país.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Ler 2 comentários