Greta Thunberg: uma voz para quem (se) interessa

Greta optou pela via do desconforto. Por descansar pouco e movimentar-se muito. Porque ela sabe que isto é urgente. E não é apenas ela que está chateada. É frustrante saber que se pode construir um mundo melhor e ver a maior parte a querer percorrer um caminho negro para o planeta.

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Greta Thunberg Reuters/PEDRO NUNES

Recordo-me com clareza do dia em que o Max Thabiso Edkins colocou o nome da Greta Thunberg na mesa. Trabalhava no Connect4Climate, um programa do Banco Mundial dedicado às alterações climáticas, e estávamos a planear a participação e cobertura da 24.ª Conferência da Partes (COP24) da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas.

O Max, activista pelo clima a trabalhar na comunicação deste programa, apresentou-nos o nome da Greta para ela discursar em representação dos que raramente são ouvidos por serem considerados demasiado novos. Ainda a Greta não era conhecida mundialmente. Ainda a Greta quase se sentava sozinha frente ao Parlamento sueco, iniciando o que hoje é um grande e global movimento de greve às aulas a cada sexta, em prol do ambiente.

Em parceria com as Nações Unidas, levamo-la ao grande palanque. E no momento em que colocamos o discurso dela na Internet, as partilhas começaram. Foi um crescimento com efeito bola de neve. Após a COP24, a Greta alcançou muitos outros palcos e tornou-se a voz de combate às alterações climáticas.

Porque é que ela é tão importante na luta urgente às alterações climáticas? Simples. Eu trabalhei cinco anos com questões relacionadas com este tema. Muitos trabalham há décadas. Com organizações, com entidades privadas, com governos, com activistas, etc. Até então não se tendo conseguido o que era essencial nesta “luta": colocar o tema na boca do mundo. Na boca de todos. Ela conseguiu-o!

Há varias razões para ela o ter conseguido e outros não. Tinha de ser alguém com a idade dela. Tinha de ser alguém da geração dela. Porque é a geração dela que é capaz de criar a pressão necessária para combater as alterações climáticas. Tinha de ser alguém com a idade dela porque é a geração dela que está disposta a mudar. Tinha de ser alguém com a idade dela porque é a geração dela que mais sofrerá com as consequências das alterações climáticas. E eles sabem-no. A população idosa já não se preocupa porque “poucos anos lhe restam”. Os adultos estão demasiado confortáveis para mudar o que quer que seja na vida (mesmo tendo filhos que sofrem e sofrerão ainda mais os efeitos).

Falo, obviamente, generalizando. Felizmente há excepções. Li muitos comentários aos nossos posts, muitas críticas em eventos públicos para chegar a esta conclusão. É pelas mãos dos jovens e dos adolescentes que se fará o caminho. São eles que pressionam e continuarão a pressionar o sistema rumo à mudança.

Acusá-la de faltar à escola é simples indício de falta de visão. Neste último ano ela aprendeu mais — velejando, falando em palcos centrais, conversando com cientistas, académicos, entidades governamentais, lideres mundiais, organizações, atravessando fronteiras — do que teria aprendido na escola. Além disso, estar na escola, com os amigos, com a família é uma posição confortável tendo em conta o seu país de origem. Ela optou pela via do desconforto. Por descansar pouco e movimentar-se muito. Por fazer mais. Porque ela sabe que isto é urgente.

Urgente é a palavra. E acreditem que quando se passam anos a trabalhar em prol de algo melhor e ninguém ouve ou apenas ignora, difícil é que não resida tristeza, desespero e raiva na voz. Não é apenas ela que está chateada. São muitos. Somos muitos. É frustrante saber que se pode construir um mundo melhor, mais saudável, mais sustentável, mais verde e ver a maior parte a querer continuar a percorrer um caminho negro para o planeta. Um caminho em que se esburaca a terra por petróleo e se destroem ecossistemas, em que se desmata, em que se encarceram e matam animais, em que se destrói ao invés de salvar.

E eu tenho a impressão que aqueles que criticam são exactamente a camada da população que não quer mudar. São os que olham para a capa ao invés de prestar atenção ao conteúdo. Porque, sim, mudar exige esforço. É a escova de dentes que usamos de manhã, o quanto abrimos a torneira, o champô e o gel de banho que se usa, o desodorizante, o perfume, os produtos de maquilhagem, a escova do cabelo, o produto para a barba, a gilette, a comida na mesa, a carne e o peixe, os esfregões da cozinha, o líquido da loiça, o tipo de transporte que se usa, como se gera a electricidade, a gasolina e o gasóleo, a forma como se viaja, a quantidade de roupa que se compra, os sapatos em pele, os sacos de plástico para as batatas, outro para as cebolas e mais um para os alhos e outros para mais legumes e mais para a fruta e para as azeitonas e para os tremoços e para tudo o resto.

Tudo tem de mudar. Tudo tem de urgentemente mudar. Mas sabem o mais caricato? É que os resultados que a mudança traz colocam-nos num outro patamar de bem-estar. Acarretam visíveis mudanças positivas para a nossa saúde, protegem o ecossistema. E é exactamente aqui que me perco. Quão contraproducente é ver uma porta para uma vida melhor, mas querer permanecer onde se está? Como é que se pode continuar a negar um trabalho em prol de ar despoluído e água limpa, florestas verdejantes e cheias de biodiversidade, rios e mares despoluídos, glaciares intactos, menos doenças?

“O real poder pertence às pessoas”, disse ela no discurso proferido na COP24. É verdade, foi preciso “uma miúda” vir dizer-nos isto. Foi preciso “uma miúda” lembrar-nos do que nunca se deve esquecer: que precisamos constantemente de proteger aquela que é a nossa casa. Agora, vamos ouvir o que ela tem para dizer na COP25.

Texto publicado originalmente no Facebook da autora.

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