“É devida uma homenagem” aos militares mobilizados na Guerra Colonial

Joana Pontes escreveu Sinais de Vida, sobre a correspondência dos militares na Guerra Colonial. “Como a guerra foi considerada ilegítima depois do 25 de Abril, caiu-se tudo numa espécie de limbo, em que se prefere não falar nisso.”

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Miguel Manso

A historiadora Joana Pontes defende ser “devida uma homenagem” aos militares mobilizados, que prestaram serviço na Guerra Colonial (1961-1974), a propósito do seu novo livro, Sinais de Vida, publicado no final de Novembro pela editora Tinta-da-China.

“Deve haver, da parte das pessoas de hoje, uma homenagem a esses militares, e perceber estas pessoas no seu contexto”, disse à agência Lusa Joana Pontes, depois da publicação de Sinais de Vida, em que reflecte sobre a correspondência trocada entre os milhares de militares destacados nos países então sob administração portuguesa e os seus familiares e amigos, de 1961, quando a guerra eclodiu em Angola, e 1974, ano em que se deu a revolução que depôs a ditadura que sustentava o conflito.

“Há que perceber as pessoas neste contexto. E era obrigatório ir [para a guerra]. E a maioria foi em condições muito complicadas”, argumentou Joana Pontes.

“Além desse reconhecimento, em falta, há que dar a conhecer o que foi a circunstância da Guerra [Colonial] e a maneira como, de facto, as pessoas não percebiam muito bem o seu império”, disse a historiadora à Lusa.

Sinais de Vida resulta da tese de doutoramento em História de Joana Pontes, sobre a correspondência dos militares em contexto bélico, o que reconheceu “ser uma área de investigação muito pouco habitual em Portugal, mas que permite estar mais perto das pessoas comuns”.

A historiadora acrescentou que este tipo de universo de análise “é muito comum em França, Inglaterra, Espanha ou Áustria, sobre contextos como as duas guerras mundiais ou até a Guerra Civil espanhola (1936-1939)”.

Sobre as gerações que foram mobilizadas para a Guerra Colonial, Joana Pontes afirmou: “Foi gente que passou ali um muito, muito mau bocado, e lamento muito que não se preste a estas pessoas uma homenagem”.

“Lamento que não se preste a devida atenção e se reconheça que de facto eles foram servir a pátria, e isso foi um acto de enorme generosidade; mas como a guerra foi considerada ilegítima depois do 25 de Abril de 1974, caiu-se tudo numa espécie de limbo, em que se prefere não falar nisso”, disse a historiadora, que considerou que “há agora uma oportunidade” de reparação.

“Eu acho que estes militares, os que foram mobilizados, sentem muito não serem reconhecidos, que não se reconheça o sacrifício. E, ao ler as cartas, acho se percebe o que foi a vida dessas pessoas, com 20 anos, separadas das famílias, durante pelo menos dois anos, lá longe, muito longe, num inferno”, argumentou.

Sobre a investigação, o ex-director do Arquivo Histórico Militar, Aniceto Afonso, escreve no prefácio que apresenta “um invulgar sentido de responsabilidade, num exaustivo e rigoroso planeamento”. Estimando tratar-se de um “contributo para a compreensão da Guerra Colonial que será indispensável conhecer e consultar”.

Uma vida sem perspectiva

Joana Pontes, por seu lado, disse à Lusa que este seu trabalho “dá a consciência do que foi o Estado Novo: uma vida sem perspectiva, uma vida muito, muito difícil e dura, das condições em que viviam”.

“Quando a agricultura não dava, era um ano mau, havia fome. Nos bairros periféricos no Porto, havia umas casas onde chovia e as mulheres ainda iam lavar os carregos, como diziam, de roupas no rio”, recorda a historiadora.

Aniceto Afonso, no prefácio, diz que a obsessão de um pequeno país querer manter, pela via da guerra, extensos territórios além-mar, “acabou por envolver o povo português num imenso drama colectivo”.

“É tudo muito triste porque são jovens, com 20 anos, eles e suas noivas”, sublinhou, por seu lado, a investigadora, acrescentando: “Às vezes, digo isso aos meus alunos, imaginem-se com 20 anos, lá longe, sem ninguém, foi terrível.”

Nas transcrições de algumas das missivas, na obra, são notórios os erros de ortografia, o que corresponde a uma “muito fraca alfabetização”, que era comum a quem era recrutado e aos que ficavam. O que constituiu “uma dificuldade à investigação”.

A autora consultou 44.000 cartas e/ou aerogramas, estimando-se a correspondência deste tipo, entre 1961 e 1974, em 21.000 toneladas.

Além da família e amigos, os militares correspondiam-se com as “madrinhas de guerra”, jovens que lhes escreviam como um meio de apoio moral e psicológico. Algumas, como é referido no livro, tornavam-se namoradas e futuras mulheres.

A investigadora atesta ainda que “não havia uma politização clara": “As pessoas não sabiam exactamente o que se estava a passar no contexto internacional, porque é que a descolonização teria de existir. Este tipo de considerações não estava presente na mente das pessoas”.

A investigação destas missivas, colocando na narrativa histórica não apenas as elites sociais, políticas, militares ou religiosas, mas também “as pessoas comuns e a sua vivência dos factos”, permite “compreender a política num sentido mais lato”, ao mostrar “como estas pessoas estiveram a viver esta missão e em que condições”.

Segundo números avançados nesta investigação, o recrutamento de mancebos em Portugal rondou os 600.000, tendo 300.00 combatido em Angola, 135.00 na Guiné-Bissau e 150.000 em Moçambique.

As cartas são “uma forma de diário”. E se só alguns escreveram diários, contou a historiadora, “certo é que todos escreveram cartas”, dando conta do seu estado de espírito, e das condições em que combatiam.

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