Bebés atrás das grades das prisões

A permanência dos filhos de tenra idade junto das mães reclusas é um instrumento poderoso de reinserção social e de prevenção criminal.

Coincidência, duas semanas depois da jovem sem-abrigo abandonar o bebé recém-nascido num contentor de lixo, tive o gosto de participar numa iniciativa planeada há muito para assinalar o Dia Internacional dos Direitos das Crianças, na “Ala 1” e na “Casa das Mães” dos estabelecimentos prisionais femininos de Santa Cruz do Bispo e de Tires, onde se encontram reclusas 30 mães com filhos até aos quatro anos de idade e duas grávidas. Estranho paradoxo: dum lado, uma mãe em dificuldade, indiciada na justiça por abandono do filho, a receber comiseração de toda a gente; do outro, mães presas, também em dificuldade, esforçando-se para criarem os filhos com amor, mas de quem quase ninguém se lembra.

Já tinha experimentado o ambiente pesado e asfixiante da prisão, quando visitei Vale de Judeus em 2001, com condenados a penas superiores a dez anos. Nesta, a das mães reclusas, também vi portas de ferro, janelas com grades, guardas fardados e detectores de metais. Mas vi mais: creches, educadores de infância, assistência médica, salas de brinquedos, crianças aos pulos na galhofa, muita cor e alegria. Até uma bebé com 15 dias, nascida sem aviso na cela da prisão, com a ajuda da guarda prisional. Histórias emocionantes. Reclusas criadas na prisão pelas mães e que agora estão lá outra vez com os filhos. Bebés que têm a mãe, a avó e o pai presos. Meninos que brincam “às prisões”, a abrir e fechar portas com chaves imaginárias e a chamar os amigos para a “Ala D” com megafones improvisados. Crianças que nunca tinham recebido uma prenda. Uma menina que a mãe convenceu que estar atrás de grades é o seu emprego. Ainda assim, mesmo com essas dificuldades todas, nota-se bem que aquelas crianças e mães se sentem privilegiadas apenas por poderem estar juntas.

Em linha com a legislação internacional de protecção dos direitos das crianças, o artigo 7.º, al. g) do código de execução de penas estabelece que os reclusos têm direito a manter consigo os filhos até aos três anos de idade ou, excepcionalmente, até aos cinco anos, desde que haja autorização dos outros titulares da responsabilidade parental, tal seja no interesse dos menores e existam as condições necessárias. A permanência dos filhos de tenra idade junto das mães é fundamental para o desenvolvimento global das crianças, mas também é um instrumento poderoso de reinserção social e de prevenção criminal. Em Portugal não temos estudos sobre isso, mas, por exemplo, nos Estados Unidos, em que 6% a 10% das mulheres que entram nas prisões vão grávidas e em que nascem cerca de 2000 bebés por ano (The benefits of prision nursery programs, Analisa Johnson), os estudos demonstram que as mães reclusas a quem os filhos não foram retirados apresentam taxas de reincidência criminal substancialmente inferiores às da restante população prisional feminina (Recidivism after release from a prison nursery program, Lorie Goshin, Mary Byrne e Alana Henninger).

Claro que quem tem uma visão estreita das finalidades das penas acha um desperdício os recursos que se gastam nisto. Se a prisão é um castigo para quem se portou mal, quanto mais sofrimento melhor. Se há filhos sem outro apoio, é mandá-los para instituições ou entregá-los para adopção. Felizmente o nosso modelo é outro, mais civilizado e humanista, que não mede as pessoas pelo tombo que deram mas pela maneira como se levantaram e foram capazes de recuperar. A função do Estado não é empurrar mais para baixo quem já caiu; é ajudar a pessoa a pôr-se de pé e andar para a frente. Pode ser que algumas daquelas mães cometam novos crimes e voltem à prisão. Ou, até, que algumas daquelas crianças um dia repitam os erros dos pais. Nenhum sistema de ressocialização é perfeito ao ponto de reabilitar todos os condenados. Mas algumas vão recuperar, refazer as suas vidas e dar uma educação adequada aos filhos. Sairão da prisão com sentido crítico sobre o passado e vontade de refazer o futuro. Isso já é uma vitória recompensadora.

Não termino sem deixar registada a emoção que foi ver o trabalho incansável e valioso de todo o pessoal que gere e trabalha naqueles estabelecimentos prisionais, tentando proporcionar às mães e crianças um ambiente adequado às suas circunstâncias, o mais próximo da vida em liberdade possível. Autoridade, claro que sim, mas com coração.

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