Um PS cada vez mais pálido

O PS, por acção e omissão, tem dado sinais altamente preocupantes de que, seja por comodismo táctico, seja por conveniência oportunista, está disposto a ceder.

1. Nas últimas semanas, o PS assumiu posições que mostram que está em curso um relaxamento dos valores fundadores. O PS desfalece e empalidece; está cada vez mais baço, cada vez mais pálido. As causas da liberdade, da democracia e do Estado de direito são relativizadas e secundarizadas. Pode ser no silêncio perante a crise do Estado de direito em Malta (com um governo socialista “amigo”). Pode ser com a atitude envergonhada diante da evocação do 25 de Novembro. Pode ser com a subalternização do balanço dos regimes comunistas, a propósito da queda do Muro de Berlim. Não há indignação diante do assassinato de jornalistas e tentativas de controlo oficial da investigação. Não há vontade de valorizar o legado do 25 de Novembro. Não há coragem para condenar as atrocidades do totalitarismo comunista. O PS, por acção e omissão, tem dado sinais altamente preocupantes de que, seja por comodismo táctico, seja por conveniência oportunista, está disposto a ceder.

2. A defesa intransigente dos valores democráticos – direitos fundamentais, liberdade de imprensa e de expressão, pluralismo e primado do Direito – fazia parte do património genético do PS. Fazia parte, aliás, da sua tradição retórica e tribunícia. Sem pôr em causa a sua diferenciação ideológica e programática, o PS nunca hesitava na condenação de todos os autoritarismos e totalitarismos de esquerda ou de direita, nunca tergiversava no seu compromisso com a opção europeia ocidental e atlântica. O grande arauto desse posicionamento foi Mário Soares, mas não é difícil arrolar centenas de nomes de políticos socialistas que invariavelmente sedimentaram e consubstanciaram essa tradição.

3. O “socratismo” representou já um desvio preocupante, especialmente pela sua prática “intimidatória” e “persecutória”, muito fomentadora da “auto-censura” e “silenciamento” nos meios de comunicação social e na sociedade civil. Foi o período do que, à época, pude denunciar como “claustrofobia democrática”, que, infelizmente, como ontem nestas páginas lapidarmente denunciava António Barreto, está subtil e engenhosamente de regresso. A conivência com o “chavismo bolivariano” – que excedeu em muito o exigido pelo pragmatismo de uma “real politik” – é um bom exemplo da mundividência “socratista”. E o mesmo se diga, em ambiente diverso e com outros pressupostos, do apoio entusiasta e irrestrito ao “lulismo” brasileiro (também agora reeditado).

4. Malta, o mais pequeno Estado da União Europeia, atravessa, de há dois anos a esta parte, uma enorme crise institucional, por causa do assassinato à bomba de uma jornalista que investigava um enorme escândalo de corrupção (com ligações manifestas ao coração do Governo). O Governo em causa é socialista e pertence à família política dos socialistas europeus. Apesar de ali estar em jogo a violação das mais elementares garantias do Estado de direto democrático, nunca o PS português teve uma palavra de preocupação a este respeito. Não se exigia, claro está, que fosse o Governo Costa, em termos oficiais, a fazê-lo. Mas o PS, em Portugal ou na Europa, tinha todas as condições para ter denunciado a situação. O PS não o fez e continua a recusar-se a fazê-lo. Foi lesto – e bem, muito bem – a condenar os atropelos ao Estado de direito, promovidos pelos governos húngaro e polaco, mas nada foi capaz de dizer sobre Malta. Como nada disse sobre a Eslováquia, em que também o Governo é socialista e em que também um jornalista foi assassinado, por estar a investigar um caso grave de corrupção. A dada altura, o primeiro-ministro eslovaco foi forçado a demitir-se, mas do PS nada se ouviu. E que dizer da Roménia, que também tinha um governo socialista “problemático”, sempre a tentar amnistiar crimes de corrupção e a controlar a investigação criminal, mas que nunca foi criticado pelo PS (a não ser, muito tibiamente, numa fase terminal e por osmose europeia).

5. No caso de Malta, há uma excepção: Ana Gomes. Uma excepção que vale por si e de nada aproveita ao PS, que nunca a acompanhou. Ana Gomes foi, desde o primeiro minuto, uma activista em defesa do Estado de direito, da justiça independente e da democracia em Malta. Uma activista de estatuto verdadeiramente europeu, que todos reconhecem e que, muitos não saberão, sofreu ameaças de morte e intimidações de todo o tipo pela sua coragem e ousadia.

6. O amortecimento do PS, porém, não se limita ao “duplo padrão” na esfera europeia, em que nunca se pronuncia sobre situações em que governam “partidos-irmãos”. O PS cedeu e sucumbiu na defesa aberta e intrépida do legado do 25 de Novembro. Ninguém lhe pede – nem a mim me parece que isso se justifique – que alinhe na proposta de fazer comemorações autónomas. Mas daí até à posição tímida e envergonhada de mal reconhecer o significado daquela data vai grande distância. Não há compromisso à esquerda, com Bloco ou com PCP, que possa justificar uma tal apatia, um tal descaso.

Pior ainda, o PS, a propósito dos 30 anos da queda do muro de Berlim, pouco diz sobre os crimes cometidos pelos regimes comunistas. E que, quer se goste, quer não, são inerentes e intrínsecos à ideologia marxista-leninista. Com efeito, eles não ocorreram apenas na União Soviética de Estaline ou nos países da cortina de ferro. Eles ocorreram onde quer que o comunismo se tenha instalado, da China a Cuba, do Camboja a Angola. Considerar que são apenas um “desvio” e que nada têm que ver com a natureza da ideologia comunista é algo sistematicamente desmentido por todas as suas incarnações históricas. De resto, bastaria considerar a herança económica, social e ambiental dos países do socialismo real para esperar do PS uma outra desenvoltura. Ironicamente, vi o PS e muitos dos seus dirigentes mostrarem grande preocupação com os 30 anos de uma “nefasta” deriva neo-liberal” que assolou o mundo depois da queda do muro. Mas vi muito poucos lamentarem as vítimas e o terror totalitário dos regimes que precederam o derrube da muralha. Aproveitando abusivamente uma coincidência: não foi António Costa que acabou de dizer que a geringonça apagou o último vestígio do Muro de Berlim?

Sim e Não

Sim. Ursula von der Leyen. Domingo, a nova Comissão iniciou funções, depois de um claríssimo voto de confiança do Parlamento Europeu. A Presidente fez um discurso inspirador e motivador. Há um novo fôlego.

Sim. COP 25. Arrancou ontem em Madrid, em face da urgência que vivemos, não pode ser mais uma oportunidade perdida. A UE voltará a mostrar ambição a liderar a luta global contra as alterações climáticas.

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