Jornalistas e bloguers na Rússia podem passar a ser considerados “agentes estrangeiros”

Medida vai limitar ainda mais o exercício do jornalismo na Rússia. Surge como resposta a um Verão de protestos.

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EPA/MIKHAEL KLIMENTYEV / SPUTNIK / KREMLIN POOL

O Governo russo promulgou uma lei para declarar jornalistas e bloguers como “agentes estrangeiros”, o que muitos observadores interpretam como uma forma de limitar ainda mais a cobertura jornalística no país.

O diploma é vago e pouco concreto, mas permite que correspondentes estrangeiros ou jornalistas russos que trabalhem para um órgão de comunicação estrangeiro sejam declarados “agentes estrangeiros”. Esta categoria surgiu numa lei de 2012, aprovada pouco depois de um dos maiores protestos contra o Governo russo, e na altura dirigia-se sobretudo a organizações não-governamentais estrangeiras, que o Kremlin acusava de promoverem as manifestações.

A partir de agora, em teoria, qualquer conteúdo, incluindo nas redes sociais, publicado na Rússia por um jornalista, decretado como “agente estrangeiro”, terá de incluir um aviso em que seja dito que o material é proveniente de uma fonte exterior.

Desde 2017 que dez órgãos de comunicação financiados pelo Governo norte-americano estão na lista de “agentes estrangeiros”, incluindo a Rádio Europa Livre ou a Voz da América. A medida foi uma retaliação de Moscovo a uma decisão dos EUA de restringir o acesso dos media financiados pelo Kremlin.

Mais de 60 jornalistas subscreveram uma carta a criticar a lei e alertam para o “carácter assumidamente negativo” da expressão “agente estrangeiro”. “Desacredita uma pessoa perante os seus concidadãos e retira-lhe dignidade, embora nada tenha feito de errado ou ilegal, e não tenha cumprido a vontade de nenhum empregador estrangeiro”, escrevem os jornalistas na carta, citada pelo Guardian.

A lei surge após um Verão de protestos em Moscovo, algo raro num regime onde as leis que regulam as manifestações são muito limitadoras. Inicialmente, os protestos centraram-se na recusa pelos órgãos eleitorais de várias candidaturas da oposição para a Assembleia Municipal da capital, mas transformaram-se em protestos contra a corrupção em torno do Presidente Vladimir Putin. Por trás dos protestos esteve o activista Alexei Navalni, que se celebrizou na denúncia de casos de corrupção a envolver dirigentes do Kremlin, e que poderá ser um dos visados com o diploma dos “agentes estrangeiros”.

O editor da rádio Eco de Moscovo, Alexei Venediktov, disse, numa entrevista citada pelo Guardian, que a lei é “um ataque selectivo” aos meios que cobriram os protestos tendo por base “um medo total” por parte das autoridades.

Numa paisagem mediática onde o jornalismo independente já é escasso, a nova lei “pode ter um efeito dissuasor para jornalistas, bem como bloggers, especialistas, ou outras pessoas que publicam informações, especialmente online”, disse o responsável da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), Harlem Desir, citado pelo Moscow Times.

O analista do Centro Carnegie de Moscovo, Andrei Kolesnikov, considera que a ampliação da lei dos “agentes estrangeiros” “encaixa na imagem dos sistemas legais totalitários, não dos democráticos”.

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