Dez anos da Carta dos Direitos Fundamentais da UE

O que se celebra agora não é só a ideia de uma Carta com múltiplos direitos consagrados, mas o momento em que o seu cumprimento se tornou obrigatório para as instituições europeias e para os Estados-membros da UE.

Conhece a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia? Não? Pois saiba que não está sozinho... Segundo dados do Eurobarómetro, mais de metade dos cidadãos europeus (57%) nunca ouviu falar da Carta. E, no entanto, este documento, que constitui um marco histórico no reforço da proteção dos Direitos Humanos na UE, acaba de completar dez anos.

Logo no preâmbulo, a Carta afirma que a “União se baseia nos valores indivisíveis e universais da dignidade do ser humano, da liberdade, da igualdade e da solidariedade; assenta nos princípios do Estado de Direito e da Democracia”. E acrescenta que “ao instituir a cidadania da União e ao criar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, esta coloca o ser humano no cerne da sua ação”, ou seja, todos esses valores devem estar inscritos nas políticas europeias, servindo como compasso no processo de tomada de decisão europeu e na adoção de medidas legislativas. 

Daqui decorre um dos maiores impactos da Carta: uma mudança de cultura que trouxe consigo a obrigação das instituições europeias terem em atenção os padrões de proteção de direitos humanos consagrados na Carta no âmbito da sua esfera de atividade. Passou, assim, a ser frequente a sua menção nos mais variados documentos produzidos e políticas adotadas e a sua invocação junto do Tribunal de Justiça de União Europeia; e a exigir-se dos Estados-membros que as medidas adotadas em aplicação do direito europeu sejam compatíveis com os direitos protegidos pela Carta.

A amplitude dos direitos que a Carta oferece aos cidadãos europeus faz dela um instrumento pioneiro e poderoso que os protege também face aos novos desafios da atualidade como a inteligência artificial, as alterações climáticas, a privacidade online ou a desinformação. Ou seja, os direitos de cada cidadão em atividades quotidianas como o simples acesso à internet ou uso do telemóvel estão abrangidos por esta Carta.

O texto tem assim um caráter inovador no grau de compromisso pretendido na sua proteção e promoção, que evidencia uma visão progressista da União Europeia em matéria de direitos humanos: i) foi o primeiro documento internacional a conjugar direitos civis, políticos, económicos, sociais e culturais; ii) consagrou “direitos do século XXI” como a proteção do ambiente, a proteção de dados, a bioética ou a transparência na administração pública; iii) inovou ao consagrar – há dez anos atrás – como direito a igualdade entre homens e mulheres e ao consagrar direitos próprios da cidadania europeia.

O que se celebra agora não é só a ideia de uma Carta com múltiplos direitos consagrados, mas o momento em que o seu cumprimento se tornou obrigatório para as instituições europeias e para os Estados-membros da UE. Proclamada a 7 de dezembro de 2000, na sequência de um processo de redação e de negociação de cujo envolvimento português nos devemos orgulhar, e reafirmada na última presidência portuguesa do Conselho da União Europeia em 2007, foi só a 1 de dezembro de 2009 que a Carta dos Direitos Fundamentais se tornou juridicamente vinculativa, com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, que lhe reconheceu o mesmo estatuto que os Tratados europeus.

A proclamação e o caráter vinculativo da Carta foram conquistas significativas no processo de construção europeia, desempenhando um papel importante na evolução daquilo que era uma comunidade essencialmente económica para uma União que coloca os seus cidadãos no centro da sua atividade.

No entanto, o facto de a Carta ser praticamente desconhecida dos cidadãos limita o seu poder de proteção, uma vez que o valor da Carta reside em ser um instrumento ao dispor dos europeus e dos residentes no espaço UE. Se não conhecermos um instrumento que pode proteger os nossos direitos, nunca o usaremos.

A contribuição da Carta para o reforço do sistema de proteção de direitos humanos na UE é incontestável, mas o seu potencial só pode ser verdadeiramente alcançado se servir o seu propósito de ser um verdadeiro instrumento ao serviço dos cidadãos europeus. É por isso essencial, neste momento de comemoração, continuar a divulgar a Carta e fazer com que ela seja conhecida e utilizada por todos os atores envolvidos na sua aplicação: as instituições europeias, os Estados-membros, a sociedade civil e, sobretudo, os cidadãos europeus.

Conheça os seus direitos, tire uns minutos e não espere outros dez anos: leia agora e aqui a Carta dos Direitos Fundamentais da UE.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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