COP25 arranca em Madrid sob o signo da emergência: “Só um punhado de fanáticos nega a evidência”

Cimeira do Clima da ONU começou esta segunda-feira em Madrid, sob a presidência do Chile, e continua até ao próximo dia 13.

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António Guterres discursa na COP25, sob o olhar de Pedro Sánchez LUSA/EMILIO NARANJO

A 25.ª Conferência das Partes (COP25) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas arrancou esta manhã em Madrid com o desígnio de que é necessário um esforço de todo o mundo para travar o que a comunidade científica tem dito ser um caminho certo para consequências “catastróficas”. Mas também com a certeza que a vontade de todos para agir com a ambição e rapidez necessárias não estará ao mesmo nível. Uma realidade corporizada pelo anúncio do presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump, que o país irá abandonar o Acordo de Paris. Sem nunca se referir ao país que é um dos principais responsáveis pela emissão de gases com efeito de estufa (GEE), o chefe do Governo espanhol, Pedro Sánchez, teve um discurso marcado por críticas a quem insiste no “negacionismo climático”.

“Durante anos vivemos com o negacionismo climático. Hoje só um punhado de fanáticos nega a evidência”, disse o socialista, antes de insistir na necessidade de o mundo agir em conjunto, afirmando ainda: “Não há muro suficientemente alto que proteja desta ameaça qualquer país, por mais alto que seja”.

Antes o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, avisara que já não chega pensarmos que temos de aumentar os esforços para impedir um aumento da temperatura, mas sim “de uma transformação” no modo como vivemos. “Precisamos de uma mudança rápida e profunda no modo como fazemos negócios, como criamos energia, como construímos cidades, e como alimentamos o mundo. Se não mudarmos urgentemente o nosso modo de vida, pomos em risco a própria vida”, disse.

A mensagem é para todo o mundo, mas em particular para os principais emissores de gases com efeito de estufa (GEE), frisou. “Ainda estamos à espera de um movimento transformador da maior parte dos países do G20, que representam três quartos das emissões globais”, avisou Guterres, lembrando que “todos os emissores têm de fazer mais”, mas que “sem o envolvimento total dos grandes emissores todos os esforços estarão completamente minados”.

E fazer mais é assumir, já nesta cimeira de Madrid, que temos de terminar com “a nossa dependência do carvão” e inverter a previsão de um aumento de produção de combustíveis fósseis na próxima década que será o dobro do que é exigido para que consigamos manter o aumento da temperatura abaixo de 1,5 graus Celsius. E avançar com mudanças “da agricultura aos transportes, do planeamento urbano e construção às indústrias de cimento, aço e outras”. Se não o fizermos “estaremos longe de um caminho sustentável”, disse o secretário-geral das Nações Unidas.

Nenhuma destas medidas será suficiente se não se fizer uma “transição justa” para a economia verde, frisou Guterres, que “reconheça a necessidade de apoiar o futuro dos trabalhadores que serão negativamente afectados, em termos de emprego, educação para toda a vida e redes de apoio social”.

O caminho para atingir tudo isto está traçado pela comunidade científica. E a tecnologia para o conseguir existe. O facto de as mudanças continuarem, apesar disso, a acontecer a um ritmo demasiado lento, é o que deixa o secretário-geral das Nações Unidas “frustrado”, admitiu. Por isso, insistiu, há que aumentar a ambição de cada país, cidade a empresa e usar a COP25 para o demonstrar.

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Aumentar

Tal como já defendera na conferência de imprensa de domingo, Guterres insistiu na necessidade de “colocar um preço no carbono”, regulamentando a nível global o mercado, e aumentar a ambição das contribuições nacionais determinadas (NDC , na sigla inglesa), para garantir a neutralidade carbónica em 2050 e garantir assim que as metas do Acordo de Paris são cumpridas. E é necessário garantir que em 2020 o Fundo Verde do Clima terá “pelo menos” os cem mil milhões de euros anuais necessários para apoiar os países menos desenvolvidos nas suas medidas de mitigação e adaptação. “O caminho que escolhermos irá definir se escolhemos um caminho de esperança ou um caminho de rendição”, disse.

Cenário desolador

Antes do apelo aos líderes de 157 partes reunidas na COP25, Guterres recordou alguns dos dados que vieram a público nos últimos dezoito meses e que demonstram a urgência em agir de imediato, para evitar consequências “catastróficas”. Dados provenientes de três relatórios do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla inglesa), mas também, muito recentemente, da Organização Mundial Meteorológica, e que dizem, no conjunto, que nada do que deveria ter sido alcançado na última década, em termos de controlo da subida da temperatura, foi conseguido. “Cada um deles confirma que estamos conscientemente a destruir o sistema de apoio que nos mantém vivos”, acusou o secretário-geral.

Os níveis médios de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera chegaram, em 2018, às 407,8 partes por milhão (ppm), “quando ainda não há muito tempo alcançarmos o valor de 400 ppm era impensável”, disse Guterres, lembrando que a última vez que houve tal concentração deste composto na atmosfera foi “entre três a cinco milhões de anos atrás, quando a temperatura estava 2 a 3 graus Celsius mais elevada e o nível do mar estava 10 a 20 metros acima do que é hoje”. O restante cenário traçado pelo secretário-geral da ONU na abertura da COP25, é igualmente desolador: os últimos cinco anos foram os mais quentes alguma vez registados, a Gronelândia perdeu 179 mil milhões de toneladas de gelo só em Julho, a camada gelada permanente do Árctico está a derreter 70 anos antes do que o previsto, a Antárctida está a derreter três vezes mais rápido do que há uma década, os níveis do mar estão a subir mais rápido do que o esperado, ao mesmo tempo que são “envenenados”, especialmente pelo CO2.

Dados que, como lembrou o presidente do IPCC, Hoesung Lee – que foi o primeiro a discursar nesta cerimónia oficial de abertura –, estão disponíveis para todos e continuarão a ser actualizados em relatórios futuros. Quanto ao mais, disse aos decisores políticos que o ouviam: “Digam-nos o que precisam de nós e iremos trabalhar convosco”.

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