Coordenador de segurança de Alcochete recorda dia do ataque: “Não vão sair daqui vivos”

Ricardo Gonçalves depôs nesta segunda-feira em tribunal no caso do ataque ao plantel e equipa técnica do Sporting. Identificou os elementos que comandavam o grupo de adeptos nesse dia e garantiu que as imagens de videovigilância não se perderam.

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LUSA/RODRIGO ANTUNES

O antigo coordenador de segurança e operações da Academia de Alcochete relatou nesta segunda-feira, no tribunal de Monsanto, em Lisboa, que houve ameaças de morte, agressões e injúrias a jogadores do Sporting durante o ataque perpetrado ao centro de treinos do clube, em Maio do ano passado. De acordo com Ricardo Gonçalves, os argentinos Acuña e Battaglia terão sido os principais alvos dos adeptos.

Na sétima sessão do julgamento do ataque à academia do Sporting, com 44 arguidos, entre eles o antigo presidente do clube Bruno de Carvalho, o antigo responsável pela segurança relatou que desconhecia a “visita” deste grupo organizado de adeptos à academia.

“Pela forma como se deslocaram para a zona [do vestiário], onde estavam o Acuña e o Battaglia, pelo foco nesses dois, presumo que fossem esses dois [os principais alvos]. Faziam ameaças como ‘Vou-te matar, não vales nada, não jogas nada, não vão sair daqui vivos'”, descreveu a testemunha, perante o colectivo de juízes, sublinhando que viu o grupo a entrar na academia. No trajecto até à zona dos balneários, garante que tentou demover os arguidos de continuarem, mas revela que também ele foi ameaçado.

“Observei ainda os diversos elementos abordarem os jogadores, empurrões, agressões, ameaças, deflagração de engenhos pirotécnicos. Deflagrou uma tocha à minha frente. O preparador físico Mário Monteiro foi atingido. Vi uma geleira a voar pelo ar e um depósito de água. Vi uma série de indivíduos a empurrá-los e a soqueá-los [aos jogadores], um indivíduo a atingir com um cinto o Misic [jogador] e confusão”, descreveu Ricardo Gonçalves.

O antigo coordenador de segurança da academia apontou em tribunal, a pedido da presidente do colectivo de juízes, Sílvia Pires, os quatro elementos da Juventude Leonina com “responsabilidades” nesta claque, os quais seguiam à frente do grupo de adeptos encapuzados que invadiu o espaço no dia 15 de Maio de 2018: identificou, no caso, os arguidos Tiago Silva “Bocas”, Válter Semedo, Pavlo Antonchuk “Ucraniano” e João Calisto Marques.

Segundo a testemunha, estes quatro elementos dirigiram-se aos jogadores Acuña e Battaglia, “que estavam encostados num canto” do balneário e que sofreram “empurrões e socos”. Quanto à agressão a Bas Dost, Ricardo Gonçalves assegura que não a testemunhou, mas nota que o jogador holandês estava já a sangrar da cabeça. Durante a fuga, afirmou ainda ter visto o treinador Jorge Jesus a “levar, pelas costas, um soco” de um dos suspeitos.

Alerta do oficial de ligação aos adeptos

Ricardo Gonçalves indicou que foi o arguido Bruno Jacinto, à data dos factos oficial de ligação aos adeptos, quem lhe telefonou, pelas 16h55, a dar conta de que “iam adeptos à academia”, sem precisar o número e o que iriam lá fazer, apesar de o ter questionado sobre isso. O grupo de adeptos entrou na academia “dez a doze” minutos depois.

A testemunha explicou que, após o contacto de Bruno Jacinto, telefonou ao secretário técnico Vasco Fernandes e que este iria telefonar a André Geraldes, à data “team manager” do Sporting. Nesse momento, voltou a telefonar ao oficial de ligação aos adeptos, que já lhe pareceu “um pouco mais nervoso” e que disse estar a caminho da academia, ficando com a “sensação de que Bruno Jacinto não sabia do que se estava a passar”.

Já no exterior da zona dos balneários, mas dentro da academia, Ricardo Gonçalves afirmou ter visto Fernando Mendes, um dos arguidos e antigo líder da claque Juventude Leonina, depois dos factos e de os suspeitos se terem colocado em fuga. A testemunha questionou-o e a outros elementos da claque sobre “o que é que foi aquilo”, os quais responderam que “não sabiam de nada, que não tinham nada a ver com aquilo e que apenas tinham a intenção de falar com o treinador Jorge Jesus”.

A testemunha assumiu ainda que deu, em função da informação de que dispunha no momento, a autorização ao vigilante da academia para a entrada do BMW azul que serviu depois para retirar este grupo de arguidos do interior da academia. “Se fosse hoje não teria permitido a saída, que foi errada, face ao contexto actual, já depois de ver as imagens. Mas, naquele momento, disse que sim, pois tinha muita coisa em mãos e só queria que saíssem dali”, justificou.

Anomalia momentânea na visualização de imagens

O antigo coordenador de segurança da Academia de Alcochete explicou também que “não houve qualquer problema com as imagens” de videovigilância do dia do ataque, mas apenas uma anomalia técnica que impediu, naquele momento, a sua visualização, esclarecendo que as imagens recolhidas a 15 de Maio de 2018 ficaram todas gravadas.

O que aconteceu, explicou, foi que, nesse dia, um problema técnico, originado pela activação do alarme de incêndio durante a invasão, fez com que houvesse uma “falha de comunicação entre os servidores e a máquina” em que se visualizam as imagens. “As imagens estavam lá, só não conseguimos visualizar” naquele momento, esclareceu, em tribunal.

Ricardo Gonçalves afirmou que a situação acabaria por ser resolvida com a intervenção de elementos do departamento de informático do Sporting e da GNR, o que levou algum tempo, razão pela qual só às 5h de 16 de Maio de 2018 é que as imagens chegaram até à investigação.

No dia anterior, durante o primeiro treino da equipa de futebol do Sporting, após a derrota na Madeira com o Marítimo, por 2-1, cerca de 40 adeptos “leoninos” encapuzados invadiram a academia do clube, em Alcochete, e agrediram vários jogadores, bem como o então treinador, Jorge Jesus, e outros membros da equipa técnica. 

O actual líder da claque Juventude Leonina, Nuno Mendes (também conhecido como “Mustafá"), o ex-presidente do Sporting, Bruno de Carvalho, e Bruno Jacinto, ex-oficial de ligação aos adeptos do clube, estão acusados, como autores morais, de 40 crimes de ameaça agravada, de 19 crimes de ofensa à integridade física qualificada e de 38 crimes de sequestro, todos estes (97 crimes) classificados como terrorismo.

Os três arguidos respondem ainda por um crime de detenção de arma proibida agravado e “Mustafá” também por um crime de tráfico de estupefacientes.

Aos arguidos que participaram directamente no ataque à academia, o Ministério Público imputa-lhes a coautoria de 40 crimes de ameaça agravada, de 19 crimes de ofensa à integridade física qualificada e de 38 crimes de sequestro, todos estes (97 crimes) classificados como terrorismo.

Estes 41 arguidos vão responder ainda por dois crimes de dano com violência, por um crime de detenção de arma proibida agravado e por um crime de introdução em lugar vedado ao público.

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