O que querem os municípios: aprofundar o passe único, mudar a Protecção Civil e promover a natalidade

O XXIV congresso da ANMP termina neste sábado em Vila Real, com uma intervenção do primeiro-ministro, e teve o lema “Descentralizar, Regionalizar, Melhor Portugal”.

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Marcelo Rebelo de Sousa abriu na sexta-feira o congresso da ANMP LUSA/Pedro Sarmento Costa
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O Presidente disse que avançar com a regionalização pode ser "erro irreversível" LUSA/Pedro Sarmento Costa

A Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) está reunida em congresso, em Vila Real, e os seus “associados” têm aproveitado a ocasião para deixar registadas as suas exigências e preocupações. Os autarcas querem mudanças estruturais da Protecção Civil, propõem o aprofundamento da redução tarifária nos transportes públicos, defendem uma reforma da contratação pública e pedem medidas para reforçar a natalidade e combater o despovoamento. As alterações climáticas também não estão esquecidas.

Protecção Civil

No que diz respeito à Protecção Civil, a ANMP apresentou um relatório sobre o modelo de desenvolvimento para o país, no qual defende que “se impõe” a revisão da actual Lei de Bases da Protecção Civil (LBPC), enquanto “lei chapéu” de toda aquela estrutura. Propõe também a revisão do Sistema Integrado de Operações de Protecção e Socorro (SIOPS) que define o conjunto de estruturas, normas e procedimentos que asseguram como todos os agentes de protecção civil actuam no plano operacional.

No documento, a ANMP refere que, embora concorde com o princípio de que a estrutura da protecção civil de âmbito supramunicipal deve corresponder ao território das entidades intermunicipais do continente, considera que a nova orgânica da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil (ANEPC), desacompanhada de alterações “estruturais do edifício” da protecção civil que assenta na LBPC e no SIOPS, “revela-se inconsequente, não solucionando os já identificados problemas de actuação, articulação e coordenação entre os vários agentes de protecção civil em todo o país”.

“Importa garantir que os municípios acompanham a definição das políticas e da estratégia nacional de Protecção Civil e participam nas decisões de carácter operacional da gestão do sistema e da definição dos meios e recursos”, afirmou o relator do documento, Alfredo Monteiro, presidente da Assembleia Municipal do Seixal e vice-presidente do conselho directivo da ANMP. O autarca referiu que os “municípios assumem hoje amplas responsabilidades em matéria de Protecção Civil”, em “muitos casos substituindo o poder central”.

Transportes públicos

Em matéria de transportes públicos, os autarcas revelaram que as operadoras “entre regiões” mantêm preços sem as descidas previstas no Programa de Apoio à Redução Tarifária (PART), pelo que é “fundamental aprofundar” o projecto, incluindo financeiramente.

“É fundamental o aprofundamento do PART [em vigor desde Abril e conhecido por “passe único"]. Não houve uma aplicação concertada ao nível das Comunidades Intermunicipais (CIM), tendo cada Autoridade decidido o âmbito de aplicação das verbas que lhe couberam. As ligações entre as regiões mantêm tarifários que não reflectem as reduções”, disse o vice-presidente da associação.

De acordo com Alfredo Monteiro, o facto de as ligações entre regiões manterem tarifários sem reduções deve-se a vários factores, nomeadamente ao “tempo disponibilizado para a comunicação das medidas que cada autoridade de transporte se propunha a aplicar” e às “dúvidas sobre a fórmula de cálculo da repartição das verbas entre Autoridades de Transportes”. A isto somam-se as dúvidas “sobre o modo de aplicação das reduções sobre transportes operados e geridos por entidades externas às Autoridades de Transportes da região, nomeadamente tituladas pelo Governo”.

“Neste quadro”, segundo a ANMP, “importa fixar no âmbito nacional as novas condições de mobilidade e redução tarifária com âmbito de aplicação a todos os modos de transporte”. Outra sugestão da ANMP é “assegurar o desenvolvimento de um Plano Nacional de Transportes integrando as infra-estruturas ferroviárias, rodoviárias, aeroportuárias, portuárias e logísticas”.

O vice-presidente da ANMP apresentou o PART como “uma abordagem inovadora e progressista de política de mobilidade”, mas deixou críticas ao Estado. “O poder central, sem articulação com as autoridades regionais de transporte e sem qualquer diálogo prévio ou concertação com os municípios e a ANMP, dispôs dos orçamentos dos municípios para financiar o PART em 10 e 20% em 2020 e 2021 e seguintes”, lamentou, na apresentação do documento sobre o “Modelo de Desenvolvimento do País”.

Natalidade e despovoamento

No modelo de desenvolvimento do país defendido pela ANMP reclamaram-se também medidas nacionais e excepcionais para promover a natalidade e combater o despovoamento, um dos “maiores desafios” que o país tem de reverter, medidas a nível do emprego, fiscalidade ou o reforço dos financiamentos comunitários.

As projecções, segundo o documento, apontam para que o índice de envelhecimento mais do que duplique, passando de 131 para 307 idosos por cada 100 jovens entre 2012 e 2060.

Para o processo de desertificação do Interior contribui igualmente, segundo Alfredo Monteiro, uma deficiente cobertura ao nível das telecomunicações e serviços postais, referindo que o encerramento de postos de correio teve “como consequência uma inaceitável degradação do serviço postal universal”.

O presidente da Câmara de Vila Real reclamou “medidas realmente significativas” para o Interior e criticou “o grande sinal” dado pelo Governo com a deslocalização de três gabinetes. “Aparentemente a grande bandeira, o grande sinal, foi a deslocalização de três secretárias e secretários de estado para três concelhos do interior. Em política os sinais são importantes, ninguém duvida. Mas já não é de sinais que precisamos. Precisamos de acção política”, afirmou o socialista Rui Santos.

O autarca lembrou algumas propostas apresentadas pelo Movimento pelo Interior, que integrou, como, por exemplo, “deslocalizar 25 serviços públicos de Lisboa, que correspondam a um mínimo de 100 funcionários por cada serviço, para cidades do “interior”, ao ritmo de, pelo menos, dois por ano, com início em 2020”.

Contratação pública

Ainda no XXIV congresso, os autarcas pediram uma “reforma da contratação pública”, considerando que a actual “nada ajuda à transparência” e transforma o trabalho dos gestores “num inferno”.

“É preciso uma reforma da contratação pública. Hoje, o trabalho inacreditável dos nossos gestores é um inferno”, sublinhou Ribau Esteves, vice-presidente do conselho directivo da ANMP e presidente da Câmara de Aveiro, durante a apresentação do tema “Financiamento Local”.

No âmbito da “agilidade” pretendida para gestão da administração local, a ANMP defende “a incorporação do saldo de gerência do ano” das autarquias (valor não investido), “na imediata disponibilidade para a gestão”, por oposição à actual incorporação, feita em Abril ou Maio do ano seguinte. Para Ribau Esteves, “é preciso criar frentes de simplificação do processo de gestão e uma delas é a incorporação do saldo de gerência do ano na imediata disponibilidade para a gestão”.

Nas propostas do congresso para esta área, defende-se que seja “concretizada uma verdadeira reforma da contratação pública, no sentido da simplificação e desburocratização”. A intenção é promover “uma agilização dos processos, sem prejuízo do rigor e transparência indispensáveis a uma adequada e saudável gestão pública”. No domínio fiscal, a ANMP aponta “duas medidas que há muito deveriam ter sido tomadas, não podendo o Estado continuar a lucrar à custa dos municípios: quer no fornecimento de refeições escolares, quando adjudicado, quer na iluminação pública, deve ser aplicada a taxa reduzida de IVA; e deve ainda ser eliminada a obrigatoriedade de pagamento da contribuição para o audiovisual”.

Nova lei das finanças locais

Ribau Esteves apontou ainda a necessidade de “dar à Lei de Finanças Locais um valor reforçado para que ela seja estável e não venha, todos os anos, uma lei do Orçamento de Estado adulterar aquilo que é o pressuposto do financiamento municipal”.

“É preciso um acto de coragem. É necessário fazer uma lei nova, com um debate profundo, com a coragem de alterarmos a relação de equilíbrio que vimos alimentando ao longo de muitas décadas. É preciso adequar este instrumento à realidade do país”, observou. Para Ribau Esteves, só com uma “lei de valor reforçado” é possível alcançar uma “lógica de estabilidade”. “Temos uma nova lei que não é exactamente uma nova lei”, disse.

Nas propostas da ANMP para “uma reforma do regime legal”, defende-se uma Lei das Finanças Locais (LFL) que não seja “deixada ao sabor das flutuações e oscilações inerentes às maiorias parlamentares momentâneas”. Para a associação, a nova lei deve ainda “acautelar que o Fundo de Financiamento da Descentralização garante a adequabilidade e sustentabilidade das competências transferidas [da administração central para as autarquias]”.

“Uma descentralização mal concretizada pode desequilibrar todo um orçamento municipal”, alerta a ANMP.

Alterações climáticas

Sobre as alterações climáticas, os municípios consideram “fundamental a revisão de instrumentos políticos e financeiros que se têm revelado desadequados” e defendem “um modelo de financiamento que assegure o efectivo apoio às autarquias para projectos em matéria de alterações climáticas e transição energética, bem como a adopção rigorosa de monitorização que permitam avaliar a pertinência das acções desenvolvidas”.

Sob o lema “Descentralizar, Regionalizar, Melhor Portugal”, o XXIV congresso da ANMP tem no seu programa o debate de temas como a “Organização do Estado”, o “Modelo de Desenvolvimento do País” e ainda o “Financiamento Local”. O Presidente da República interveio na sessão de abertura e o primeiro-ministro vai discursar, esta tarde, no encerramento.

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