Primeiro-ministro de Malta não se demite e recusa perdão a suspeito do assassínio de jornalista

O empresário Yorgen Fenech pediu o perdão a troco de informações sobre a morte de Daphne Caruana Galizia, que já provocou várias demissões no Governo. Joseph Muscat rejeitou-o. Parlamento Europeu vai enviar “missão urgente” ao país.

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O primeiro-ministro maltês anunciou a decisão de não se demitir em conferência de imprensa, rodeado pelos membros do seu executivo Reuters/YARA NARDI

O primeiro-ministro de Malta, Joseph Muscat, rejeitou o pedido de imunidade para um dos suspeitos do assassínio da jornalista Daphne Caruana Galizia, que a pedira para revelar o que sabe sobre o crime que já provocou demissões no Governo.

Muscat, que está a ser pressionado para também se demitir, disse que se mantém no cargo.

Num Conselho de Ministros que se prolongou pela madrugada desta sexta-feira, os membros do Governo discutiram o afastamento de Muscat e a concessão do perdão ao empresário Yorgen FenechAcabaram por as recusar e a disputa de liderança que se previa dentro do Governo, entre o primeiro-ministro e o seu número dois do executivo, Chris Fearne, não aconteceu. Os pedidos de demissão vieram do Conselho da Europa, dos familiares da jornalista e da oposição. 

“Tomei a decisão final com os meus colegas, que decidiram não ser apropriado conceder o perdão”, disse Muscat em conferência de imprensa, rodeado pelos membros do executivo. O primeiro-ministro, no poder desde 2013, argumentou que a decisão foi tomada com base nos conselhos do chefe da polícia e do procurador-geral. 

A reunião foi convocada depois de o empresário maltês Yorgen Fenech ter sido detido na semana passada – foi entretanto libertado, noticia a Reuters – e dito estar disposto a fornecer informações sobre os mandantes do crime em troca de perdão. 

A Reuters revelou que o empresário maltês é proprietário de uma empresa secreta – a 17 Black – que financiava outras empresas secretas no Panamá, estas propriedade do chefe de gabinete de Muscat, Keith Schembri, e do ministro do Turismo, Konrad Mizzi. A investigação da agência britânica confirmou as denuncias de Caruana Galizia, que expôs que elementos do Governo estavam ligados a offshores no Panamá. 

O filho de Caruana Galizia, Paul, acusa o Governo de ser um bloqueio às investigações e de manter no poder os mandantes do homicídio, acusação negada pelo primeiro-ministro, que diz não existir impunidade em Malta. “Tenho o firme compromisso de ver este caso concluído durante o meu mandato. Acho que as autoridades já fizeram o que muitos acharam que não era possível, isto é, os grandes avanços na investigação. O meu papel é ver esta investigação concluída”, disse o primeiro-ministro. 

Malta preocupa União Europeia 

No entanto, as preocupações com o Estado de Direito no mais pequeno país da União Europeia têm subido de tom. O Parlamento Europeu aprovou esta semana o envio de uma “missão urgente” a Malta e a comissária europeia responsável pelo Estado de Direito na União Europeia, Vera Jourova, pediu uma reunião urgente ao Governo maltês. 

“Não comentamos investigações nacionais em curso. Dito isto, a Comissão Europeia tem declarado que esperamos uma investigação minuciosa e independente sobre as pessoas responsáveis por este crime, para que sejam levadas à Justiça”, disse a comissária europeia, citada pelo Guardian. “Temos de enviar um claro sinal a todos os jornalistas: é seguro trabalharem na Europa. Se os jornalistas são silenciados, também o é a democracia. Liberdade de imprensa, pluralismo e a protecção dos jornalistas são a base para uma sociedade livre e democrática”, continuou. 

Em 2016, Daphne Caruana Galizia, uma das jornalistas mais conhecidas em Malta, denunciou em artigos que o então ministro da Energia e até recentemente ministro do Turismo, Konrad Mizzi, e o chefe de gabinete de Muscat, Keith Schembri, eram beneficiários de empresas secretas sediadas no Panamá. Fê-lo por meio de informação recolhida nos chamados Panama Papers

O caso abalou a política maltesa e a jornalista viu-se no meio da luta política entre o Governo e a oposição. Em 2017, foi assassinada com uma bomba colocada no seu carro e o caso gerou ondas de choque por toda a Europa. 

As investigações policiais duram há mais de dois anos e na semana passada fizeram avanços significativos, depois de o homem que se suspeita ter sido o intermediário da conspiração do homicídio, Melvin Theuma, ter recebido um perdão e ter disponibilizado informações. De acordo com a imprensa local citada pela Reuters, Theuma forneceu gravações áudio aos investigadores.

As novas informações permitiram aos investigadores obter esta semana mandato judicial para buscas na casa de Schembri, que se demitiu de imediato, depois de meses de apelos a que fosse demitido. Pouco depois, Mizzi apresentou a demissão e o ministro da Economia, Christian Cardona, suspendeu funções até à conclusão das investigações. O caso está a abalar o Governo, acusado pela oposição de ser uma “máfia” no poder. 

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