Lei antiaborto no Ohio obriga médicos a “reimplantar no útero uma gravidez ectópica”

Para escaparem a uma acusação de homicídio por aborto, punível com prisão perpétua, os médicos teriam de fazer um procedimento para o qual não existe tecnologia disponível e que é “pura ficção científica”.

Foto
Os grupos anti-aborto estão a tentar que a lei nacional seja revista no Supremo Tribunal, com uma série de propostas em estados como o Ohio e o Alabama Chris Aluka Berry/Reuters

Uma nova proposta de lei antiaborto que está em discussão no estado norte-americano do Ohio obriga os médicos a “reimplantarem uma gravidez ectópica” no útero das mulheres grávidas, um procedimento impossível de se fazer com a tecnologia disponível. O documento, patrocinado por 21 congressistas do Partido Republicano, 17 dos quais homens, cria também acusações de “homicídio por aborto”, punível com prisão perpétua, e “homicídio por aborto agravado”, punível com pena de morte.

A proposta de lei 413, da Câmara dos Representantes do Ohio, é a mais recente tentativa dos grupos antiaborto de forçarem uma intervenção do Supremo Tribunal norte-americano.

O aborto é legal em todos os estados do país há quase meio século, com várias excepções, aprovadas estado a estado, semelhantes às que existem na legislação de países europeus.

Mas a decisão do Supremo Tribunal norte-americano que abriu caminho ao fim da proibição do aborto a nível nacional, em 1973, está a ser posta em causa por uma série de propostas radicais em estados como o Ohio, Georgia, Alabama, Kentucky, Mississippi e Louisiana – onde o Partido Republicano está em maioria nas duas câmaras dos respectivos Congressos.

Os tribunais têm travado a entrada em vigor dessas leis, mas o objectivo dos seus proponentes não é uma vitória a curto prazo.

À medida que as propostas mais radicais vão sendo aprovadas e rejeitadas pelos tribunais, é cada vez mais provável que pelo menos uma delas venha a ser aceite para revisão no Supremo Tribunal – um passo que os juízes têm recusado dar nas últimas décadas, mas que passou a ser mais provável com a nomeação, nos últimos dois anos, dos juízes Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh pelo Presidente Donald Trump.

No caso do Ohio, a proposta de lei que está em discussão na Câmara dos Representantes segue-se a uma outra, semelhante, promulgada em Abril pelo governador Mike DeWine e travada por um juiz federal em Julho.

Numa das secções, onde se descreve o que devem fazer os médicos para escaparem a acusações criminais, surge a indicação de que “devem ser dados todos os passos possíveis para se preservar a vida da criança não nascida, ao mesmo tempo que se preserva a vida da mulher”.

“Esses passos devem incluir, nos casos em que for aplicável, a tentativa de reimplantar uma gravidez ectópica no útero da mulher”, lê-se na proposta de lei.

"Ficção científica"

Uma gravidez ectópica acontece quando o ovo fertilizado se desenvolve fora do útero, na grande maioria dos casos nas trompas de Falópio. Se não for tratada, o rompimento pode causar uma hemorragia interna com possível infecção ou até mesmo a morte da mulher.

Esta é a segunda vez em poucos meses que um procedimento médico inexistente é proposto no estado do Ohio por congressistas do Partido Republicano.

Em Abril, o congressista John Becker – um dos proponentes da lei mais recente – propôs mais limites para a cobertura dos seguros nos casos de aborto, que poderiam ser levantados se a grávida fosse submetida à “reimplantação do ovo fertilizado no útero da mulher grávida”.

Durante a discussão pública dessa proposta, entre Abril e Maio, o médico norte-americano Daniel Grossman, especialista em saúde reprodutiva, deu vários conselhos aos congressistas do Partido Republicano do Ohio numa série de tweets que se tornou viral.

“Infelizmente, as gravidezes ectópicas não podem progredir até ao nascimento. Se não forem tratadas, e à medida que se desenvolvem, a trompa de Falópio distende-se até ao ponto de ruptura e pode causar uma hemorragia”, explicou o médico no Twitter.

“Infelizmente, uma gravidez ectópica não pode ser ‘reimplantada’ no útero. Essa tecnologia não existe. Por isso, sugiro que retirem isso da vossa proposta de lei porque é pura ficção científica”, concluiu o médico.

Sugerir correcção
Ler 12 comentários