Ministra refuta críticas e promete “afinamentos” no modelo de apoio às artes

A pedido do PCP, o apoio às artes voltou a estar em debate. A ministra da tutela promete futuros melhoramentos, mas defende o que foi feito.

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LUSA/MANUEL DE ALMEIDA

A deputada comunista Ana Mesquita reiterou esta sexta-feira a exigência de 1% do Orçamento do Estado para a Cultura, criticando o modelo de apoio às artes, enquanto a ministra com a tutela, Graça Fonseca, prometeu medidas de “curto prazo” e “afinamentos”.

“É preciso agir para que possa existir algo. É preciso alterar tudo no apoio às artes. O PCP tudo fará, pela sua acção política e institucional e pela mobilização do mundo da cultura, para que seja posto fim ao rumo pelo qual se orienta a actual política. Queremos o direito de todos a toda a cultura em todo o território nacional. Queremos um verdadeiro serviço público de cultura. Queremos 1% do Orçamento para a cultura”, disse no debate parlamentar sobre o tema, agendado pelo PCP.

Segundo a parlamentar, “o Governo falhou com a palavra dada, frustrou as expectativas de muitos” e, “passadas as eleições, lá vieram os resultados e as más notícias: dezenas de candidaturas ficam de fora dos apoios públicos, outras avaliadas como ‘não elegíveis’ vêem igualmente o seu futuro comprometido”. E acrescentou: “Contas feitas, é preciso para o biénio o reforço de 41%, cerca de 12,9 milhões de euros, na verba destinada aos sustentados, se considerarmos a distribuição de acordo com a pontuação atribuída a todas as candidaturas elegíveis. Uma dotação global para estes concursos de cerca de 31 milhões de euros. Não vale a pena baralhar e dar de novo, dizendo que este cenário não era previsível e que foi o aumento das candidaturas que desequilibrou o prato da balança orçamental.”

A dois tempos

A ministra da Cultura, Graça Fonseca, defendeu que, “pela parte do Governo, os desafios estão bem identificados” e há a necessidade de trabalhar “a dois tempos”. “Adoptar medidas que se demonstrem adequadas para, no curto prazo, dar solução a algumas situações concretas, e, ao longo de 2020, aperfeiçoar o modelo de apoio às artes, introduzindo alguns afinamentos que dêem resposta aos desafios que este concurso bienal nos coloca”, disse.

A responsável governamental adiantou que, “entre 2015 e 2019, o apoio às artes cresceu 83%, atingindo neste ano os 25 milhões de euros, um patamar que, aliás, era reivindicado desde 2017 pelas estruturas representativas, no âmbito da revisão do modelo em 2027/18, bem como pelos partidos”.

“De 2018 a 2021, estamos a falar de mais de 50 milhões de euros nos apoios quadrienais, de quase 16 milhões de euros nos apoios bienais 2018/19 e de mais de 18 milhões de euros nos apoios bienais 2020/21. A estes montantes acrescem, em apoios anuais a projectos e em parceria, mais de 16 milhões de euros desde 2018. Isto significa um total de 100 milhões de euros para apoio às artes desde 2018, dos quais 84 milhões de euros são para apoio sustentado”, continuou a ministra.

Graça Fonseca assegurou que “o concurso que agora termina irá apoiar 102 estruturas num universo de 177, o que significa uma taxa de 60% de candidaturas apoiadas” e que “as estruturas recebem em média mais 16% de apoio financeiro do que no concurso anterior”, sendo o apoio médio de 183 mil euros.

“Pela primeira vez em muitos anos, os concursos abriram no primeiro semestre do ano anterior, seis meses de antecipação. A todos estes aspectos positivos, acresce uma maior abrangência territorial, uma vez que em todas as regiões, com excepção do Alentejo, houve um aumento do apoio financeiro recebido. Entre as estruturas apoiadas neste concurso, 38 não tinham apoio anterior e 22 não tinham mesmo historial de candidaturas à Direcção-Geral das Artes”, congratulou-se.

Uma política de “migalhas"?

Durante o debate desta manhã, a deputada Beatriz Gomes Dias, do BE, considerou que o actual problema no sector “era previsível e evitável, se a ministra tivesse ouvido os júris que alertaram para a insuficiência de verbas”.

“De migalhas não se faz politica cultural. É uma humilhação dos artistas que não conseguem apoio para os seus primeiros projectos ou que já têm uma carreira consolidada”, disse, avaliando que “este modelo mantém o caos [e a] falta de garantias plurianuais, [e tem] ditado o fim de alguns projectos artísticos relevantes”. Tal como o PCP, o BE exige que todas as candidaturas elegíveis sejam apoiadas.

Em resposta, a ministra rejeitou que os apoios às artes sejam “migalhas”, termo que considerou “insultuoso”, e reiterou que os concursos são “a única forma de assegurar transparência e equidade” na distribuição do financiamento.

Por seu turno, Ana Rita Bessa, do CDS-PP, sustentou a gravidade da situação com o facto de existir um abaixo-assinado de mais de 300 artistas que pede a demissão da ministra, argumentando que a governante “não revela capacidade de escuta nem capacidade de diálogo com o sector”.

Carla Borges, do PSD, classificou a iniciativa do PCP de “manobra de diversão dos partidos à esquerda para mostrar que já não há Governo da ‘geringonça'”, considerando-os “responsáveis pelos critérios ineficazes de apoios às artes”. “Este modelo é uma falácia e um fracasso”, afirmou, defendendo que “é tempo de assumir compromissos sérios com as estruturas do interior do país para garantir o tecido cultural”. A deputada pediu também a revisão do modelo e a viabilização dos projetos considerados elegíveis pelos júris.

Já a deputada Mariana Silva, de Os Verdes, disse que o partido defende 1% do Orçamento do Estado para a Cultura e o reforço dos apoios às artes, criticando o actual modelo, “que é bóia de salvação para uns, e sentença de morte para outros”, antes de concluir que os resultados dos últimos concursos de apoio às artes “são catastróficos”.

A luta continua

Durante a presente semana, 45 estruturas artísticas e mais de 300 profissionais do sector pediram a demissão da ministra da Cultura, num abaixo-assinado, posto a circular na terça-feira à noite. “A luta continua pela Cultura em Portugal” é o documento subscrito pela Comissão Profissional das Artes, onde são identificadas “graves falhas no modelo dos concursos de apoio às artes”, um “atraso injustificado na saída dos resultados” e a “recusa de reuniões com grupos representativos de profissionais do sector”.

Ainda durante a sessão parlamentar desta sexta-feira, a ministra da Cultura reiterou que os concursos são “a única forma de assegurar transparência e equidade” na distribuição do financiamento, argumentando que o modelo não pode estar sempre a ser questionado. “Não se pode estar permanentemente a pôr em causa o que foi feito anteriormente, porque as estruturas também não podem estar sempre a adaptar-se a alterações”, afirmou.

Agora que o concurso se encontra encerrado, a ministra disse estar disponível para encetar diálogo com diferentes identidades para pensar em melhoramentos para 2020. No caso do Alentejo, garantiu mesmo que iria ser encontrada uma solução para o próximo ano, recordando que o ministério quer “fazer o caminho da coesão territorial, o aumento do investimento na cultura e das estruturas que fazem um trabalho extraordinário, mas tem de ser em parceria com as autarquias e as [Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional]”, defendeu.

Sindicato quer acções concretas

O Sindicato dos Trabalhadores do Espectáculo, do Audiovisual e dos Músicos (CENA-STE) disse esta tarde que espera ver concretizadas as “intenções” que a ministra da Cultura apresentou no Parlamento em matéria de apoio às artes.

“Ouvimos um conjunto de intenções e uma pequena alteração do discurso. Parece que a ministra agora está disposta a fazer ajustes e acertos, presume-se, mas vamos esperar para ver, porque não passam de intenções”, disse à Lusa o dirigente do sindicato, Hugo Barros.

Sobre as estruturas que ficaram de fora dos apoios, o CENA-STE aguarda ainda que o Ministério da Cultura agende as reuniões com os artistas, porque “até agora não há qualquer contacto”.

Para o sindicato, os resultados dos concursos “são catastróficos” e “colocam em causa os postos de trabalho de muitos artistas” do país.

O CENA-STE continua a defender 1% do Orçamento do Estado para a área da cultura, enquanto a ministra da Cultura tem afirmado que o Governo vai aumentar, de forma progressiva, a despesa do Estado no sector, com o objectivo de, no horizonte da legislatura, atingir 2% da despesa discricionária prevista.

A companhia Cegada Grupo de Teatro, de Vila Franca de Xira, anunciou já o encerramento do Teatro Ildefonso Valério, por ter não ter obtido qualquer financiamento nestes concursos, enquanto vários deputados da oposição falaram em dezenas de estruturas em dificuldades pelo país, entre as quais a Bienal de Cerveira, a mais antiga do país, para a qual o PSD solicitou esta manhã na AR a replicação do último apoio bienal concedido pela DGArtes.

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