Lula, o diálogo contra o extremismo

Goste-se ou não, Lula da Silva construiu e solidificou sua liderança na busca pelo diálogo, o consenso e a pactuação e ter que se confrontar e polarizar com um antidemocrata convicto não mudará isso.

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Reuters/STRINGER

No instante em que Lula da Silva começou a discursar num palco improvisado em frente à vigília que o acompanhou nos 580 dias de cárcere, só se teve certeza de uma coisa: o governo Bolsonaro agora tinha oposição.

O petista subiu o tom do enfrentamento e reafirmou-se como um homem da política, aberto a conversar com todos aqueles que não a neguem. Deixou claro, não o que pensa sobre Bolsonaro, mas sobre o projecto excludente que seu governo capitaneia, incluído aí seu braço parajudicial, a Lava-Jato.

Se, por um lado, nenhum outro projecto viável hoje no Brasil é mais oposto ao do atual governo, entre os dois políticos não há similaridade possível de se estabelecer. A trajectória de Lula da Silva é marcada pela luta por direitos através da construção de consensos e pactos. O capitão Bolsonaro reformou-se do Exército aos 33 anos, após ter sido descoberto o seu envolvimento no planejamento de um atentado à bomba que ocorreria na cidade do Rio de Janeiro. Passou 28 anos no Congresso Nacional sem nunca chegar a liderar o grupo parlamentar de nenhum dos nove partidos pelos quais passou e isso basicamente resume seu percurso até a campanha eleitoral do ano passado.

Ainda assim, como quem segue um roteiro pré-definido, o “grito de ordem” de muitos setores da elite brasileira, logo após o fim do primeiro discurso do ex-presidente, foi no sentido de que estamos diante de dois extremos e que o país precisa de equilíbrio. Esse argumento não resiste aos factos. Das greves do ABC no fim dos anos de 1970 até sua prisão em 2018, Lula da Silva sempre respeitou todos os pactos firmados desde a redemocratização. Como Presidente, não perseguiu adversários políticos e ampliou o espectro de atores que debatiam as questões do país. Apresentou o Brasil ao mundo como um player capaz de mediar conflitos e trabalhou pela pacificação de outros povos. Bolsonaro na Presidência da República, age contra parte da imprensa, negligencia regiões inteiras por serem governadas por partidos de esquerda, edita medidas provisórias para atentar contra desafectos políticos, glorifica torturadores, agride outros chefes de Estado, conspira para derrubada de governos na América Latina e descumpre acordos internacionais. Realmente não há como sustentar que o Brasil esteja diante de dois extremos, o que se têm é a disputa entre a social democracia e a extrema-direita.

Lula foi eleito em 2002 em uma ampla coalizão de partidos, após firmar compromissos com diversos segmentos da sociedade, expressos em sua “carta ao povo brasileiro”. Nela diz ter consciência de que “não há milagres na vida de um povo e de um país” e que seria preciso uma “ampla negociação nacional” para construir a “superação do impasse histórico brasileiro”, fez como marca de seu governo “Brasil, um país de todos”. Elegeu como prioridade o combate à fome, tirou e manteve acima da linha da miséria 36 milhões de pessoas. Saiu com 87% de aprovação, recebeu 35 prémios Doutor honoris causa e entregou um país à sua sucessora em vias de sair do Mapa da Fome das Nações Unidas. Bolsonaro, por sua vez, disse que tem muito o que destruir antes de começar a construir um novo país, que ao que tudo indica será como os negócios de sua família, obscuro.

Goste-se ou não, Lula da Silva construiu e solidificou sua liderança na busca pelo diálogo, o consenso e a pactuação e ter que se confrontar e polarizar com um antidemocrata convicto não mudará isso.

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