Hospital recusa exame a doente por dívida de taxas moderadoras com 20 anos

Entidade Reguladora da Saúde condena Centro Hospitalar de Leiria a uma coima de 2500 euros por ter violado o direito de acesso à prestação de cuidados no Serviço Nacional de Saúde a um doente que tinha uma dívida antiga.

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Rui Gaudencio

O não pagamento de taxas moderadoras no Serviço Nacional de Saúde (SNS) prescreve ao fim de três anos da data da prestação dos cuidados, mas um doente foi impedido de fazer um exame que tinha sido solicitado pela sua médica porque tinha uma dívida de 80 euros que remontava ao período compreendido entre 1995 e 2001. Pela recusa de realização do exame, uma vez que foi violado “o direito de acesso universal e equitativo à prestação de cuidados de saúde no SNS”, o Centro Hospitalar de Leiria foi condenado pela Entidade Reguladora da Saúde (ERS) a pagar uma coima de 2500 euros. Este é um dos processos de instrução relativos ao terceiro trimestre deste ano que a ERS divulgou nesta quarta-feira.

É uma história rocambolesca e também a ERS demorou quatro anos a decidir (a reclamação inicial data de 2015). A médica assistente pediu uma broncofibroscopia (endoscopia que permite visualizar o sistema respiratório, até aos brônquios) com biópsia e sedação para J.M.C em Novembro de 2014. Mas o exame foi recusado pelo Centro Hospitalar de Leiria em Janeiro de 2015 com o argumento de que o paciente tinha uma dívida de taxas moderadoras no valor de 80,62 euros, sendo que a mais antiga tinha já duas décadas.

Ao que tudo indica por ignorar que o prazo de prescrição previsto na lei é de três anos, J.M.C. até pagou 44,41 euros pela dívida mais antiga, relativa ao período entre 1995 e 1997. Apesar disso, em Novembro de 2015, o termo de responsabilidade que autorizava a realização do referido exame não foi desbloqueado e acabou por ser anulado em Fevereiro de 2016.

Em Julho desse ano, J.M.C. liquidou mais 31,22 euros (relativos a dívidas de taxas moderadoras por cuidados de saúde prestados entre 1997 e 2000), mas, em Janeiro de 2017, o Centro Hospitalar de Leiria avisou-o que tinha de pagar mais 29,99 euros por dívidas posteriores.

Lembrando que o Tribunal Constitucional esclareceu que a expressão da Lei de Bases da Saúde que estipulou que o SNS é tendencialmente gratuito “abriu a possibilidade de existirem excepções àquele princípio”, a ERS sublinha que o legislador quis especificar que, “nas situações em que a decisão de recorrer ou não aos cuidados de saúde depende unicamente da vontade do utente”, as taxas moderadoras “deveriam ser “capazes de conter um consumo excessivo”.

Neste caso, foi o médico que pediu o exame, não o doente que decidiu fazê-lo. O regulador frisa que a cobrança de taxas moderadoras “é admissível desde que estas tenham como finalidade racionalizar a utilização do SNS" e "não sejam aptas a criar impedimentos ou restrições no acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde”.

Uma vez que as dívidas prescrevem ao fim de três anos, deixam de poder ser cobradas coercivamente aos utentes e a obrigação do seu pagamento resume-se, a partir dessa data, “a um mero dever de ordem moral e social”, considera o regulador.

Doente com cancro morreu à espera de exame

Entre as duas dezenas de instruções que a ERS divulgou esta quarta-feira, figura ainda o caso do doente com cancro de pulmão que esperou demasiado tempo por um exame pedido pelo Centro Hospitalar Universitário do Algarve e morreu em Março deste ano. O regulador concluiu que houve “deficiências graves na prestação de cuidados de saúde de qualidade e em tempo adequado”.

O doente esperou quase dois meses pelos resultados de um exame genético requerido pelo centro hospitalar ao Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa, que seria necessário para definir a sua terapêutica e que chegou tarde demais no seu caso. Ele acabou por morrer em 27 de Março deste ano sem fazer quimioterapia devido ao atraso deste exame necessário para definir o tratamento adequado.

A ERS identificou ainda vários casos de problemas na prestação de saúde a cidadãos estrangeiros, nomeadamente a recusa de atendimento a uma menina de 2 anos, com suspeita de meningite, por se encontrar em Portugal com visto de turista, e que motivou uma reclamação contra o Agrupamento de Centros de Saúde de Loures-Odivelas.

Outra situação que mereceu uma instrução foi a de uma cidadã brasileira de passagem por Portugal a quem foi cobrado, no Centro Hospitalar Universitário do Porto, o pagamento do preço dos cuidados de saúde prestados na urgência e as respectivas taxas moderadoras, quando existe uma convenção internacional entre Portugal e o Brasil que permite aos cidadãos deste país acederem aos cuidados de saúde prestados no SNS nos mesmos termos que os cidadãos nacionais. com Lusa

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