Marcelo pede propostas às associações para fortalecer imprensa

Os jornalistas distinguidos com os prémio Gazeta criticam o imediatismo que reduz a sua função a, apenas, retransmissores.

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Marcelo Rebelo de Sousa rodeado pelos distinguidos com os prémios Gazeta LUSA/JOÃO RELVAS

Na cerimónia de entrega dos Prémios Gazeta 2018, na noite desta terça-feira num hotel em Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa considerou que “seria imperdoável que a democracia, que tanto tempo levou a criar, pudesse sofrer na sua afirmação cívica, social, comunitária, pela incúria no domínio da comunicação social”.

“Agora que o ciclo é outro e está a começar é tempo de incentivarmos as associações de imprensa a reapresentarem as suas propostas ao parlamento. Têm-no feito ano após ano. É esta a ocasião, antes da entrada do Orçamento do Estado e antes do início do debate parlamentar, de regressarem à teimosia dos anos anteriores”, disse.

O chefe de Estado acrescentou que “é tempo de se procurar soluções que garantam a liberdade e a democracia, fortalecendo a comunicação social, a clássica e a nova, todas”, com medidas “de incentivo geral e abstracto, e por isso insusceptíveis de manipulação do poder político, e com aprovação parlamentar, mas que cheguem a tempo”.

Segundo o Presidente da República, face à situação económica e financeira dos órgãos comunicação social em Portugal, é também tempo de “refazer debates”, que devem ser “debates mais amplos e mais profundos, e que envolvam a comunidade”.

“Os portugueses têm de perceber que isto toca, de facto, no essencial da democracia portuguesa”, prosseguiu Marcelo Rebelo de Sousa, defendendo que a democracia não pode ser dada por adquirida e tem de ser construída diariamente, caso contrário “criam-se vazios” ocupados por quem é antidemocrático, contra a liberdade e o pluralismo.

O chefe de Estado terminou a sua intervenção manifestando a certeza de que “enquanto durar a coragem do Clube de Jornalistas e a coragem daqueles que se apaixonam pelo jornalismo, que se apaixonam por essa missão cívica, a democracia não morrerá em Portugal”.

Os jornalistas distinguidos criticaram as condições actuais para o exercício da profissão e a prevalência do imediatismo que reduz a sua função à de “retransmissores de informação”.

O cartoonista António, que recebeu o prémio Gazeta de Mérito, pelos seus 45 anos de carreira, declarou que esta distinção “chega num momento particularmente difícil para a caricatura em todo o mundo”, em resultado da “pressão económica sobre os jornais e revistas e consequente redução de custos”, mas também “pela intolerância política e religiosa” e “pela pressão das redes sociais e do politicamente correcto”. “Difícil também por cá, pelo encerramento continuado de jornais e revistas e pela austeridade orçamental dos sobreviventes”, referiu, manifestando, apesar de tudo, a esperança de que “a caricatura não seja mais uma espécie em vias de extinção”.

Jornalismo subvertido

Mário Rui Cardoso, da Antena 1, a quem foi atribuído o prémio Gazeta de Rádio, pela reportagem “Teremos sempre Paris”, sobre o Maio de 68, congratulou-se por “ver distinguidos trabalhos jornalísticos sobre a memória, numa altura em que o jornalismo está tão dominado pelas coisas do instante, do imediatismo”.

“Gostava de sublinhar o tempo que a direcção de informação da Antena 1 me deu para esta reportagem. É muito escasso o tempo nas redacções, vive-se numa roda-viva, não há tempo para nada”, reforçou, advertindo que “a informação no serviço público de rádio vive neste momento uma grave crise de pessoal que tem de ser resolvida”.

Ana Luísa Rodrigues, da RTP, premiada pela reportagem “Deportados para outro mundo”, sobre portugueses deportados para campos de concentração, considerou que o papel do jornalismo “está muito subvertido, cada vez mais ameaçado, por diversas formas, e por isso é preciso dignificá-lo”.

Victor Bandarra, da TVI, que ganhou igualmente o prémio Gazeta de Televisão, pela reportagem “Ciganos - uma longa sina”, afirmou que actualmente "os jornalistas são obrigados a ser, as mais das vezes, técnicos de comunicação, ou pior, simples recolectores, retransmissores de informação seleccionada por outros”.

Por outro lado, salientou que “um terço dos jornalistas com carteira profissional ganha pouco mais do que o ordenado mínimo”.

Paulo Novais, da Lusa, vencedor do prémio Gazeta de Fotografia, apontou a agência de notícias portuguesa como “um oásis no meio de tanta crise” e agradeceu-lhe por “permitir trabalhar sem estar com aquelas preocupações sazonais de quem é que vai ser despedido este mês ou este semestre - apesar de todos cortes sucessivos que sofre cada vez que há negociação do contrato com o Estado”.

“Continua, portanto, a permitir-nos trabalhar com qualidade e é isso que eu quero agradecer”, reforçou o jornalista, que ganhou o prémio com uma fotografia do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, numa praia fluvial.

Sofia da Palma Rodrigues, do projecto digital Divergente, disse representar “um órgão de comunicação independente, que, contra a corrente do imediatismo que tem vindo a sugar esta profissão, se assume como a publicação de um jornalismo narrativo, com tempo para pensar, aprofundar e contextualizar”.

A premiada com o Gazeta Multimédia, pela reportagem “Terra de todos, terra de alguns”, realizada em Moçambique, realçou que esse trabalho foi financiado por organizações internacionais e lamentou que em Portugal não exista nenhuma instituição que possibilite “a realização trabalhos de fundo fora das amarras e limitações várias que se sentem hoje no seio das redacções tradicionais”.

Liliana Carona, directora do jornal Notícias de Gouveia, que recebeu o prémio Gazeta de Imprensa Regional, apontou o dedo aos “órgãos considerados nacionais que, nas suas rotinas de trabalho, vão acabando com os correspondentes regionais, vão colocando para último plano as notícias de carácter regional, cada vez mais com uma informação polarizada em torno de Lisboa e do Porto”.

Ricardo Esteves Ribeiro, do projecto digital Fumaça, que ganhou o prémio Revelação com a série áudio documental "Palestina, histórias de um país ocupado”, fez um discurso contra o “jornalismo superficial” com um modelo “baseado em cliques”, questionando: “Quantos directores e editores em Portugal dão tempo suficiente para que os jornalistas possam fazer as peças mais tarde distinguidas em Prémios Gazeta?”.

O projecto Fumaça pretende ser “totalmente financiado pelas pessoas” e todos os jornalistas têm “contratos de trabalho, sem falsos recibos verdes e sem falsos estágios”, mas pode vir a acabar em Maio do próximo ano por falta de dinheiro, revelou.

Virgílio Azevedo, do Expresso, que venceu a Gazeta de Imprensa, com a “Investigação na ilha Terceira - contaminação nos Açores”, centrou o seu discurso neste tema, referindo que o seu trabalho levou “a intervenções nomeadamente das autoridades americanas, mas não estão a decorrer de uma forma tão célere como seria necessário”.

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