Quando o nascimento de um irmão traz frustração

De facto, algumas crianças guardam dentro de si este sentimento de zanga para com os pais, sobretudo para com a figura materna, não o chegando a verbalizar. Assim, calam dentro de si a mágoa e isolam-se no seu sofrimento.

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Daria Nepriakhina/Unsplash

Nalgumas famílias, os pais relatam que decidiram ter outro filho porque o seu filho pedia incessantemente um irmão. Em primeiro lugar, deve tratar-se de uma decisão do casal e não ser a realização de um pedido de um filho. Por outro lado, pode estar subjacente um sentimento de solidão por parte da criança, que pode estar a requerer atenção acrescida. Na sua fantasia infantil, o irmão irá brincar com ele de imediato. Entretanto, quando o bebé nasce, na realidade vai necessitar de muita atenção por parte dos pais, sobretudo da figura materna, e essa criança que já estava psiquicamente vulnerável sente-se como que atraiçoada. 

O significado que uma criança vai dar ao nascimento de um irmão depende do seu mundo interno, da forma como foi vivenciando o seu papel no quadro familiar.

A Teresa, de 6 anos, primogénita de uma fratria de três irmãos, dizia “não gosto dos meus irmãos, queria que eles não tivessem nascido”.

Era uma criança com baixa auto-estima, que ainda não tinha ultrapassado o trauma de se ter sentido preterida primeiro em função da irmã do meio e depois em função do irmão mais novo. Estamos a falar de realidade interna, como é óbvio, mas esta criança necessitou reparar terapeuticamente a sua ferida narcísica, e só depois foi possível ter prazer na relação com os irmãos.

Uma adolescente lembra-se de que a sua primeira memória de infância foi o dia do nascimento do seu irmão. Tinha apenas três anos, mas lembra-se de sentir alguma solidão e tristeza, enquanto olhava as árvores dispostas no caminho até ao hospital, no banco de trás do automóvel onde era levada pelos avós, para ver a mãe e o bebé. O pai estava ausente, em viagem. Ela sentia-se um pouco confusa, estranhava o seu sentir. Todos à sua volta pareciam rejubilar de felicidade e ela era a única a sentir-se insegura.

Quando viu a mãe, sentiu alguma angústia: a mãe parecia feliz, e quis que a filha olhasse para o bebé, que repousava no berço. A jovem ainda se lembra que pensou que ele era muito feio, e que estava contrariada pelo facto de insistirem que olhasse para ele, mas guardou esse sentimento para si. No fundo, tinha a sensação de que não era suposto dizer que não estava contente com a  chegada de um irmão.

De facto, algumas crianças guardam dentro de si este sentimento de zanga para com os pais, sobretudo para com a figura materna, não o chegando a verbalizar. Assim, calam dentro de si a mágoa e isolam-se no seu sofrimento.

Outras acabam por se manifestar apenas pelo comportamento, por exemplo através de chamadas de atenção pela negativa. Assim, é importante ir dialogando com a criança, envolvendo-a o mais possível na nova dinâmica familiar, para que as suas dúvidas e inseguranças, habituais perante uma situação nova, desconhecida, se possam ir dissipando.

Sugere-se o envolvimento do filho mais velho nos cuidados ao mais novo, junto dos pais, mas sem ser excessivo.

Está descrito que o irmão mais velho é mais frequentemente alvo de exigência parental e alvo de projecção das expectativas parentais. Deve ter-se cuidado para não exigir demasiado, nomeadamente querendo que ele sirva de modelo para o irmão mais novo ou que ajude os pais a tomar conta deste.

Será uma boa altura para fortalecer os laços com o pai, por exemplo, enquanto a mãe está mais ocupada com o bebé. Também se aconselha que quer o pai quer a mãe possam manter alguns períodos de lazer e actividades lúdicas em exclusivo com o filho mais velho.

Habitualmente, a situação em que nasce um irmão do mesmo género é geradora de maior rivalidade do que se for do género contrário.

A atenção que os pais devem disponibilizar para o filho mais velho nesta fase não deve, no entanto, ser envolta em cuidados excessivos ou superprotecção. Os pais que estiverem mais tranquilos e sejam emocionalmente mais maduros estão em melhores condições para proporcionar uma transição adequada para esta nova etapa familiar.

A redução da “omnipotência” sentida pelo filho único, sentida como uma frustração pela criança, também faz crescer. A realidade não é uma fantasia cor-de-rosa, todas as crianças devem ir aprendendo a lidar com a frustração, e perceber que neste mundo é importante partilhar e ter empatia em relação aos demais.

Paula Vieira de Medeiros, Pedopsiquiatra na Clínica CUF Alvalade e no Centro da Criança e do Adolescente do Hospital CUF Descobertas

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