Tribunal contradiz Casa Branca e ordena a ex-conselheiro de Trump que testemunhe no impeachment

A juíza federal Kentaji Brown Jackson disse que não cabe ao Presidente decidir quem tem imunidade para não testemunhar nas audiências do processo de impugnação e avisou que “os presidentes não são reis” nos Estados Unidos.

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Donald McGahn deixou de ser conselheiro do Presidente Trump em Outubro de 2018 Reuters/POOL New

A estratégia de defesa de Donald Trump no processo de impugnação de que está a ser alvo no Congresso norte-americano sofreu esta segunda-feira um duro golpe. Uma juíza federal decidiu que Donald McGahn, antigo conselheiro de Assuntos Judiciais da Casa Branca, tem de testemunhar nas audiências do processo e avisou que os “presidentes não são reis” nos Estados Unidos. A Casa Branca e o Departamento de Justiça defendem que McGahn tem “imunidade absoluta”.

A juíza federal Ketanji Brown Jackson, do tribunal distrital de Washington, disse que “ninguém está acima da lei” e afirmou que os conselheiros presidenciais não podem ignorar as intimações do Congresso para testemunharem. “Por mais ocupado e importante que um conselheiro presidencial possa ser, e independentemente da sua proximidade de projectos domésticos sensíveis e de segurança nacional, o Presidente não tem o poder de o dispensar de participar em acções que a lei exige”, escreveu a juíza na deliberação de 118 páginas divulgada esta segunda-feira.

A Casa Branca optou por uma estratégia de confronto com a Câmara dos Representantes no processo de impeachment, tentando impedir que antigos e actuais conselheiros de Trump testemunhem nas audiências do processo de destituição, pondo em causa a separação de poderes, diz a juíza. Cabe ao poder judicial interpretar a lei e ao Congresso conduzir as investigações sobre possíveis abusos do poder executivo. 

“Em poucas palavras, o principal argumento dos últimos 250 anos de História americana é o de que os presidentes não são reis”, lê-se no documento.

O Departamento de Justiça, que já anunciou que vai recorrer, argumenta que McGahn, conselheiro de Trump até Outubro de 2018, tem “imunidade de testemunho absolutamente irrevogável”. A Casa Branca argumenta que o antigo conselheiro colaborou com a investigação do procurador especial Robert Mueller sobre as suspeitas de obstrução à Justiça relativas à interferência russa nas eleições de 2016 e que não pode ser obrigado a responder a perguntas ou a entregar documentos.

Se McGahn se recusar a testemunhar, terá de ser o próprio a invocar privilégio executivo e a recusar responder, pergunta a pergunta, numa audição com os congressistas da Câmara dos Representantes, deliberou a juíza. 

O Partido Democrata avançou com o processo de impeachment contra Trump depois de um elemento dos serviços secretos ter denunciado um telefonema entre o chefe de Estado norte-americano e o Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky. Na conversa, Trump pressionou Zelensky a ordenar uma investigação judicial a Joe Biden, um dos principais candidatos do Partido Democrata às eleições presidenciais de 2020. Segundo as testemunhas ouvidas nas audições na Câmara dos Representantes, o objectivo de Trump era garantir o anúncio de uma investigação sobre Biden em troca do desbloqueio de mais de 391 milhões de dólares em ajuda militar à Ucrânia.

O advogado do antigo conselheiro presidencial, William A. Burck, já garantiu que o seu cliente vai respeitar a decisão do tribunal, excepto se for apresentado recurso –​ o que foi anunciado pelo Departamento de Justiça. Burck disse ainda que McGahn acredita não ter testemunhado ilegalidades e que Trump o instruiu praa cooperar com Mueller e não testemunhar em audiências sobre o impeachment sem acordo entre a Casa Branca e a Comissão de Serviços Secretos.

Tudo indica que a batalha legal se vai arrastar. O Departamento de Justiça reagiu dizendo pretender avançar com um recurso à decisão judicial. E a Casa Branca emitiu um comunicado em que afirma que a decisão “contradiz os precedentes legais de longa data estabelecidos pelas administrações de ambos os partidos políticos”.

“Vitória muito significativa”

As reacções dos democratas não se fizeram esperar. O presidente da Comissão de Serviços Secretos da Câmara dos Representantes, Adam Schiff, classificou a deliberação judicial como “vitória muito significativa”. “Com a deliberação de hoje [segunda-feira], os tribunais deixaram perfeitamente claro que a imunidade absoluta não tem base legal para se proibir responsáveis seniores da Casa Branca de testemunharem perante o Congresso”, escreveu Schiff numa carta aos restantes congressistas do órgão que supervisiona, citada pelo Washington Post

“A insistência do Presidente de que está acima da lei é um insulto à nossa Constituição e a todos os norte-americanos”, reagiu a presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi.

A decisão é um marco significativo no braço-de-ferro entre a Casa Branca e o Congresso por criar um precedente para que outras testemunhas consideradas fundamentais pelos congressistas prestem declarações nas audiências sobre a destituição, pois a Casa Branca usou o mesmo argumento legal. Três delas são, por exemplo, o antigo conselheiro de Segurança Nacional John Bolton, o seu número dois, Charles Kupperman, e o actual chefe de gabinete de Trump, Mick Mulvaney.

No entanto, a decisão da juíza federal não deverá ter impacto imediato no processo de destituição por se esperar o recurso da Casa Branca. E a deliberação pode levar meses, disseram fontes democratas ao Washington Post.

Os depoimentos do embaixador norte-americano na União Europeia, Gordon Sondland, e da antiga embaixadora norte-americana em Kiev Marie Yovanovitch foram dos mais comprometedores para Trump. O primeiro disse que “toda a gente” no topo da Casa Branca e do Departamento de Estado sabia que estava a ser negociada uma troca de favores com a Ucrânia em nome do presidente Trump, entre Maio e Setembro, e a segunda disse que se sentiu ameaçada por Trump.

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