França reforça combate à violência doméstica mas falha “mudança profunda”

Primeiro-ministro apresentou 50 medidas contra a violência sexual e o femicídio, ao fim de três meses de debate em todo o país. Organizações feministas dizem que o plano é “decepcionante” e inclui medidas que já estão em vigor.

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Manifestação de sábado em Paris contra a violência e o homicídio de mulheres CHRISTOPHE PETIT TESSON/EPA

O Governo francês anunciou, esta segunda-feira, um pacote com meia centena de medidas para combater a violência sexual e o femicídio no país, onde pelo menos 137 mulheres foram mortas por actuais ou antigos companheiros desde Janeiro.

Numa conferência de imprensa em que estiveram presentes todos os ministros, num sinal de que a violência contra as mulheres é hoje um dos maiores problemas da sociedade francesa, o chefe do Governo, Edouard Phillipe, disse que as medidas são tão profundas e abrangentes que as descreveu como “um choque eléctrico”.

Mas os movimentos e organizações feministas, como a Nous Toutes e a Fundação das Mulheres, reservaram outras palavras e expressões para descreverem o anúncio do Governo, como “decepcionante” e “pouco sério”. No máximo, disse a organização Fit – Uma mulher, um tecto, a resposta indica que “o Governo está mobilizado em praticamente todos os seus ministérios”.

Uma das medidas mais importantes é a criação de 1000 novos sítios de acolhimento em todo o país para receber mulheres vítimas de maus tratos, um número que fica aquém das exigências do movimento Nous Toutes, que exigia, no mínimo, o dobro.

“Todos os anos, 2000 mulheres procuram uma solução para abandonarem os seus parceiros violentos”, disse Anne-Cécile Mailfert, presidente da Fundação das Mulheres, ao canal France Info. Num tom entre a decepção e a esperança, a responsável salientou que, ainda assim, as medidas anunciadas esta segunda-feira pelo Governo francês mostram que “começa a olhar-se para o problema de outra forma”.

No fim-de-semana, quase 50 mil pessoas manifestaram-se em Paris contra o femicídio e todas as outras formas de violência sobre as mulheres, segundo os números dos media franceses, num protesto considerado “histórico” pela líder do movimento Nous Toutes e uma das organizadoras do protesto, Caroline De Haas. Segundo a organização estiveram nas ruas de Paris 100 mil pessoas.

“O nível de consciência para este problema está a aumentar a uma velocidade estonteante”, disse Caroline De Haas no sábado, quando já se sabia que as medidas anunciadas esta segunda-feira pelo Governo ficariam aquém das exigências das organizações feministas francesas.

137 assassinadas

Numa reacção no Twitter, Caroline De Hass disse que o anúncio do primeiro-ministro foi “uma decepção tão grande quanto as expectativas”, e acusou Edouard Philippe de “não ter uma palavra a dizer aos milhares de pessoas que saíram às ruas por toda a França no sábado”.

Em particular, a activista acusa o Governo de anunciar medidas que já existem, como a autorização para que um médico possa denunciar uma suspeita de violência doméstica mesmo que a vítima se oponha.

“O levantamento do segredo médico já é possível nos casos de risco para a vida. Mais um ‘anúncio’ que não é. Sinceramente, isto não é sério”, disse Caroline De Haas, dando como segundo exemplo o fim da proposta de mediação familiar nos casos de violência – uma medida que está proibida em França desde 2014, quando o Governo ratificou a Convenção de Istambul sobre a violência de género.

“Esperávamos a apresentação de medidas preventivas nas escolas, de formação, locais financiados e dedicados especificamente ao alojamento de vítimas. E esperávamos também meios financeiros que marcassem uma mudança profunda.”

Muitas das medidas anunciadas esta segunda-feira, para assinalar o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra a Mulher, foram conhecidas no início de Setembro, quando o Governo lançou um debate nacional sobre o combate ao femicídio.

Ao todo, o primeiro-ministro anunciou que o Orçamento para 2020 vai reservar 360 milhões de euros para melhorar a resposta do Estado, num bolo superior a mil milhões de euros em que a maior parte está destinada a ajuda internacional. Para as organizações feministas, a dimensão do problema em França exige que o Orçamento reserve mil milhões para serem gastos no país, para além da ajuda externa a outros países com elevadas taxas de violência contra as mulheres.

Em 2018, em França, uma mulher foi morta a cada três dias por um actual ou antigo companheiro, num total de 121. Segundo os números das organizações não governamentais, este ano já foram mortas 137 mulheres.

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