Casa com lava dentro tornou-se uma atracção turística cinco anos depois da erupção no Fogo

Há cinco anos, Sónia e David viram a lava do vulcão da ilha do Fogo entrar-lhes pela sala da casa nova e ainda por estrear. Mas ali parou e acabou por lhes dar um novo rumo.

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LUSA/FERNANDO DE PINA
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Chã das Caldeiras
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Quase três meses depois do início da erupção do vulcão da ilha cabo-verdiana do Fogo, em Novembro de 2014, um rio de lava ainda escorria pelo lugar da Bangaeira, Chã das Caldeiras, rodeando então a casa construída por Sónia e pelo marido.

Para surpresa de todos, a lava ficou, literalmente, na sala de jantar da casa, tornando-a hoje num ponto de visita obrigatório para os turistas que chegam ao vulcão que mudou a vida de Sónia e do marido, David.

Da casa, ainda por estrear e das poucas que escapou à destruição da lava, fizeram uma pensão e Sónia, então sem trabalho, ganhou um emprego: receber os turistas que chegavam para visitar e pernoitar na também apelidada de “casa com lava dentro”.

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“Não era este o plano. Trabalhava como doceira, na adega, que foi destruída pela lava. Apareceu esta oportunidade e eu comecei a receber turistas cá em casa”, recordou à Lusa Sónia Vicente, de 32 anos.

A erupção em Chã das Caldeiras, aldeia a quase 2.000 metros de altitude, então com 210 casas, cerca 1.300 habitantes e uma dezena de pensões turísticas, começou há precisamente cinco anos, na manhã do dia 23 de Novembro de 2014, para terminar apenas em 8 de Fevereiro do ano seguinte. A última tinha acontecido em 1995.

Nessa altura, em 2014, o casal, com uma filha, vivia dias de ansiedade, preparando a mudança para a casa nova, mas que não tiveram tempo de estrear. “A casa já estava praticamente pronta. Tínhamos planos para mudar em Dezembro, na época festiva, e a erupção começou em Novembro. De repente foi um pesadelo”, conta, recordando o “rio de lava” que então descia até ao lugares da Bangaeira e da Portela, deixando uma crosta que solidificou, pelo caminho, juntamente com as dezenas de casas literalmente engolidas, deixando apenas os telhados à visita.

Então prevista para ser apenas residência da família, a casa foi escapando durante os 77 dias da erupção, mas não passou do dia 8 de Fevereiro. “Ficou rodeada pela lava só no último dia da erupção. Pensamos que não tinha sobrado nada”, explica.

Apesar do sorriso com que tenta disfarçar a aflição que foi pensar ter perdido a casa que levou anos a construir, Sónia ainda tem na memória a chamada que dias depois recebeu do marido, que nunca deixou a aldeia, na esperança de salvar alguma coisa. Cerca de uma semana depois do fim da erupção, David conseguiu entrar na residência rodeada até às paredes exteriores pela lava e a surpresa foi total: “A nossa casa está boa”, disse-lhe.

De facto, a casa ficou incólume, embora parte do que seria a sala de jantar tenha ficado ocupada por uma enorme camada de lava solidificada, em extensão e altura.

Numa aldeia que desapareceu do mapa, uma casa em perfeitas condições e com três dos quatro quartos livres, rapidamente se tornou em alojamento para quem ali chegava.

“Nos outros lugares já não havia pensões, não havia casas, começaram a pedir para ficar. Começamos a trabalhar, a receber as pessoas que chegavam. E assim criamos o gosto pelo turismo, pelo alojamento”, diz.

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Todos os anos foram acrescentando um quarto à residência, que entretanto se transformou na Casa David, familiar por ser também a casa do casal e das agora duas filhas. “É um ponto turístico, as pessoas vêm cá para matar a curiosidade da casa com lava dentro”, brinca.

Além da curiosidade, os turistas até dormem na pensão, habitualmente cheia, fazendo as refeições lado a lado com a rocha negra, que permanece tal e qual como quando a erupção da ilha do Fogo terminou.

Entretanto, a própria casa foi aumentada e recuperada no exterior também com recurso à rocha da lava solidificada, retirada da envolvente nos dias seguintes ao fim da erupção à força de braços, pelo casal, família e amigos.

“Foi uma grande alegria, não estava à espera. Tenho de estar agradecida ao vulcão, nunca pensei que ia sobrar alguma coisa”, desabafa.

Daí que, num sentimento que é dominante numa aldeia que segue em reconstrução cinco anos depois, Sónia confesse não ter medo do vulcão que lhe mudou a vida.

“A população não tem medo. Foi muito triste, mas medo de morrer não temos. Foi algo calmo, tranquilo, dá para protegermos, salvar bens importantes”, diz, enquanto se confessa agradecida pela oportunidade que foi criada.

Também por isso, deixar Chã das Caldeiras não está em cima da mesa: “Nem vai estar. Nós fomos a primeira família a subir [voltar a viver na aldeia]”.

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