Primeiro-ministro de Malta deve afastar-se da investigação a morte de jornalista, defende Conselho da Europa

Muscat acena com um perdão presidencial a arguido-chave que diz saber identidade do autor moral do atentado contra Daphne Caruana Galizia, a jornalista que investigava suspeitas de corrupção em torno do Governo maltês.

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Uma imagem de homenagem a Caruana Galizia Reuters/Guglielmo Mangiapane

Pieter Omtzigt, o relator do Conselho da Europa para a investigação ao homicídio da jornalista Daphne Caruana Galizia, assassinada há dois anos, aconselhou o primeiro-ministro maltês, Joseph Muscat, a afastar-se do caso. Em causa está um potencial conflito de interesses, defende, depois de o primeiro-ministro ter anunciado que iria conceder imunidade a Melvin Theuma, um arguido-chave no processo, que afirmou ter informação sobre a identidade do autor moral do homicídio.

“Preocupado com os últimos acontecimentos em Malta”, declarou-se Omtzigt, relator especial nomeado pelo Conselho da Europa para monitorizar os acontecimentos em Malta, no Twitter. “Quem coordena a investigação: o primeiro-ministro Muscat? Quem determina se as provas de Theuma justificam um perdão? O primeiro-ministro?”

“Com todas estas relações, será que o primeiro-ministro Muscat não devia manter uma certa distância de tudo isto?”, questionou. “As suspeitas de um interesse pessoal e político são demasiado fortes e a potencial influência do primeiro-ministro de Malta no sistema de justiça criminal é demasiado grande”, argumentou.

Também a família de Caruana Galizia emitiu um comunicado onde pede que Muscat se afaste: “O primeiro-ministro não tem qualquer lugar na investigação e cremos que deverá afastar-se. Estamos preparados para recorrer a todos os meios legais à nossa disposição para assegurar que a investigação é independente e imparcial e que irá decorrer até ao final”.

Muscat tem sido nos últimos tempos o porta-voz dos investigadores junto da comunicação social. E, na terça-feira, revelou aos jornalistas que tenciona conceder um perdão presidencial a um dos protagonistas do caso. Trata-se de Theuma, motorista que disse ter intermediado o contacto entre quem colocou uma bomba no carro de Caruana Galizia e quem encomendou o crime. De acordo com o primeiro-ministro, as declarações de Theuma ainda estão a ser analisadas pela polícia e necessitam de ser corroboradas.

Esta semana foram detidos dois membros do Governo de Malta suspeitos de ligações ao empresário Yorgen Fenech, também ele detido esta quarta-feira quando tentava fugir do país no seu iate de luxo. Fenech foi entretanto libertado, uma vez que a lei maltesa não permite uma detenção sem acusação durante mais de 48 horas. 

Os Panama Papers e as suspeitas de corrupção em Malta

Daphne Caruana Galizia, morta aos 53 anos, era a jornalista que liderava a investigação aos Panama Papers em Malta, relativos a esquemas de evasão fiscal e branqueamento de capitais. Sob suspeita, no caso, estavam crimes de corrupção que envolveriam a elite política maltesa, nomeadamente o Partido Trabalhista de Muscat, que em 2017 foi forçado a convocar eleições antecipadas perante a sucessão de notícias. 

Pouco tempo antes de ser assassinada, a jornalista recebera um importante conjunto de dados sobre uma empresa de energia detida por Fenech. Sob suspeita estavam alegados subornos pagos pela empresa ao Governo para aprovar a construção de uma central eléctrica no arquipélago. 

Uma investigação da Reuters revelou que Fenech detinha uma das offshores referidas nos Panama Papers, a 17 Black, que constava de registos de transferências financeiras para outras entidades ocultas ligadas a políticos malteses: Knorad Mizzi, à data ministro da Energia e agora ministro do Turismo, e Keith Schembri, actual chefe de gabinete do primeiro-ministro Muscat.

Apesar de todas as suspeitas, ninguém foi constituído arguido pela autoria moral do atentado contra a jornalista. Muscat tem sido acusado de bloquear as investigações ao crime, nomeadamente pela ex-eurodeputada portuguesa Ana Gomes.

“Liderei a missão do Partido Europeu a Malta, tenho seguido o assunto, estive lá, sei tudo. Muscat tem no seu Governo ministros expostos nos Panama Papers, que são criminosos. Está a bloquear a justiça”, afirmou a antiga eurodeputada em 2018, criticando na altura a participação do primeiro-ministro maltês no congresso do Partido Socialista Europeu em Lisboa.

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