Violação dos Direitos da Criança

Trinta anos passados sobre a Convenção sobre os Direitos da Criança, várias questões se impõem. Será que estes direitos são, de facto, salvaguardados? Será que as próprias crianças têm a noção dos seus direitos? E as famílias, será que os reconhecem? A resposta a todas estas questões é negativa.

Há 30 anos, no dia 20 de Novembro de 1989, as Nações Unidas adoptaram por unanimidade a Convenção sobre os Direitos da Criança, que viria a ser ratificada por Portugal menos de um ano depois, a 21 de Setembro de 1990. A sua ratificação significa que Portugal se comprometeu a adoptar as medidas necessárias para garantir que todos os direitos da criança são assegurados.

Esta Convenção é o tratado de direitos humanos internacionais mais amplamente ratificado de sempre, assumindo um carácter universal que o torna num importante instrumento legal. Mudou a forma como olhamos para as crianças, encarando-as, não apenas como alguém que precisa de proteção, mas também como sujeitos de direitos e agentes ativos na construção das suas próprias vidas.

Trinta anos passados, várias questões se impõem. Será que estes direitos são, de facto, salvaguardados? Será que as próprias crianças têm a noção dos seus direitos? E as famílias, será que os reconhecem?

E a resposta a todas estas questões é negativa. Não, nem todas as crianças veem os seus direitos assegurados e muitas delas apenas reconhecem direitos de sobrevivência, associados à prestação de cuidados básicos (como o direito a ter uma casa, comida e cuidados de saúde), e de desenvolvimento (como ter acesso à educação). Também as famílias apresentam algum desconhecimento sobre outros direitos da criança, como sejam os direitos de protecção (contra qualquer forma de violência física, psicológica ou sexual, bem como contra todos os tipos de exploração) e de participação (direito da criança em envolver-se activamente na vida em sociedade e em expressar a sua opinião nos assuntos que lhe dizem respeito).

Neste contexto, é fundamental desenvolver uma cultura de educação para os direitos. Educar a criança, a sua família e toda a comunidade, numa perspectiva multissistémica. O que equivale a fornecer informação sobre os direitos da criança, transmitir valores e atitudes para que a criança aprenda a respeitar os direitos dos outros e, ainda, promover competências para reconhecer situações em que os seus direitos, ou os de outros, não sejam assegurados.

Para que testemunhos como os que se seguem deixem de ser ouvidos.

“O meu pai não me deixa falar com a minha mãe, diz que ela foi embora de casa e por isso já não gosta de mim nem é da minha família” (violação do artigo 9.º – separação dos pais).

“O tribunal vai decidir sobre a minha vida e ninguém falou comigo para perceber o que eu penso e sinto” (violação do artigo 12.º – opinião da criança).

“A maior parte da minha família não vive cá, fugi da guerra com o meu pai, mas deixei a minha mãe e os meus irmãos. Não sei se estão vivos” (violação do artigo 22.º – crianças refugiadas).

“Os meus pais batem-me com o cinto e com a colher de pau… já fiquei com marcas nas pernas e meto gelo para passar a dor” (violação do artigo 19.º – protecção contra maus tratos e negligência).

“Todos os dias, depois da escola, tenho que ajudar os meus avós a trabalhar na quinta e não posso brincar” (violação do artigo 31.º – lazer, actividades recreativas e culturais).

“A minha mãe trouxe-me para este país às escondidas do meu pai e diz que eu agora tenho outro nome e que este é o nosso segredo” (violação do artigo 11 – deslocações e retenções ilícitas).

“Tenho muitas dificuldades e na minha escola não existem professores para me ajudar” (violação do artigo 23.º – crianças portadoras de deficiência).

“O meu tio mexia no meu pipi e fazia coisas que eu não gostava… eu tinha medo e por isso nunca contei a ninguém” (violação do artigo 34.º – exploração sexual).

“Tiraram-me fotografias com o telemóvel e agora estão na internet, em todo o lado, e os meus amigos gozam comigo” (violação do artigo 16.º – protecção da vida privada).

“Ninguém quer adoptar-me e, por isso, vivo nesta casa com outras crianças desde que era pequeno” (violação do artigo 21.º – adopção).

E tantos outros testemunhos, tantas outras violações dos direitos das crianças, que não cabem num só artigo de opinião…

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

Sugerir correcção
Comentar