Reuniões à porta aberta na Transparência levantam problema nos casos que envolvem segredo de justiça

Bloco também quer que os pareceres sobre levantamento de imunidade dos deputados e incompatibilidades passem a ser feitos por deputados de outros partidos - agora a regra é que sejam por elementos da mesma bancada. Comissão decidiu adiar a votação do regulamento.

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A Comissão da Transparência funcionou, de forma eventual, na última legislatura Miguel Manso

Os deputados da nova Comissão da Transparência e do Estatuto dos Deputados não se entenderam na redacção a dar à norma sobre a forma de publicidade das suas reuniões, ou seja, sobre as situações em que podem fechar a porta para discutir questões sensíveis que envolvam, por exemplo, dados pessoais alvo de protecção ou situações de informações sob segredo de justiça.

Tal como o PÚBLICO noticiou, apesar de prever que as reuniões da comissão têm “natureza pública”, o texto do regulamento propõe que a comissão possa decidir do “carácter reservado da discussão de qualquer assunto, antes ou durante a apreciação do mesmo”.

De um lado, Bloco e PAN estão contra esta regra tão abrangente e “discricionária" incluída na proposta de regulamento apresentada pelo presidente da nova comissão, o socialista Jorge Lacão.

O deputado do PAN alegou que tanto esta regra como a que estipula que as discussões sobre levantamento de imunidade e sobre o regime de incompatibilidade devem acontecer à porta fechada sejam eliminadas do regulamento. Estas questões podem ser discutidas de forma reservada, por exemplo, nas reuniões da mesa da comissão e dos coordenadores, apontou André Silva - ou até se pode manter essa restrição, acrescentou. O deputado lembrou que o regimento da Assembleia da República admite que em casos excepcionais as reuniões das comissões sejam reservadas, mas considera que o regulamento da comissão “vai muito além disto” nas restrições que quer impor por prever que assim possa ser em “qualquer assunto” - e não apenas nas imunidades e incompatibilidades.

“Tal como está redigida esta norma dá azo a manter a imagem de falta de credibilidade que a comissão da Transparência teve no passado [pelos mais de três anos que demorou] e devemos tornar ao máximo todas as reuniões públicas e escrutináveis. Assim [como está] é um passo atrás, é um recuo.”

Também o bloquista José Manuel Pureza defendeu que o regulamento deve ser “inequívoco numa regra de publicidade das reuniões”, ainda que seja preciso acautelar a “necessidade de guardar a devida reserva em algumas questões”. O ideal é “restringir o nível de excepção e tornar inequívoco o princípio fundamental de que as reuniões são públicas”. “Compreendo os obstáculos legais, mas uma comissão da transparência que reúne à porta fechada só pode ser entendida a título de excepção. De outra forma é um contra-senso.”

O Bloco também quer ver alteradas outras questões: pretende que as actas das reuniões das comissões sejam públicas e que na elaboração de pareceres sobre os processos de incompatibilidade e de levantamento de imunidades sejam indicados como relatores deputados de um partido diferente do parlamentar cuja situação é analisada - actualmente a regra é que o relator seja do mesmo partido. 

O comunista João Oliveira, o social-democrata André Coelho Lima, o socialista Pedro Delgado Alves e o centrista João Almeida discordaram da tese de André Silva. Mas com nuances. João Oliveira lembrou que é a comissão como um todo (em plenário) que deve analisar e decidir sobre os assunto e não apenas a mesa e coordenadores, e que há assuntos em relação aos quais os deputados têm dever de reserva, como as questões em segredo de justiça. “Como vamos discutir matérias sobre as quais impendem deveres de reserva?”

O centrista João Almeida considerou que a solução do PAN, de ter como regra que todas as reuniões sejam públicas, faz com que passe a existir “total discricionariedade sobre as reuniões que são abertas ou fechadas”, já que o regimento geral do Parlamento admite que sejam reservadas. Ou seja, existe uma contradição entre a proposta do PAN e a regra geral, apontou também André Coelho Lima, do PSD. O deputado criticou o PAN por querer aparecer como o “arauto da transparência” e dar dos outros partidos a imagem da “opacidade”. “Queremos transparência total com sentido de responsabilidade”, garantiu.

Já o socialista Pedro Delgado Alves quis saber se o PAN levantou o mesmo problema nas outras comissões já que, argumentou, esta regra consta dos regulamentos das outras, como as de Negócios Estrangeiros, de Defesa, ou de Assuntos Constitucionais, que fazem algumas audições à porta fechada quando estão em causa matérias relacionadas com a segurança nacional, segredo de justiça e interesse nacional.

A discussão continuará na próxima reunião da comissão - e só no início os deputados decidem se a fazem com ou sem a presença de jornalistas na sala.

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