Autarcas receiam ter cada vez mais plástico no perímetro de rega do Mira

Autarcas dizem que a definição de estufa usada por uma resolução do Governo faz com que a área formalmente coberta por estas seja muito inferior à realidade, podendo assim crescer muito mais.

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Miguel Manso

O aumento da área de estufas e afins no Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina está a deixar os autarcas preocupados. José Gonçalves (PS), presidente da câmara de Aljezur, juntou-se recentemente a José Alberto Guerreiro (PS), de Odemira, para sublinhar a sua preocupação “com os efeitos práticos decorrentes da Resolução do Conselho de Ministros (RCM) nº 179/2019”, aprovada no último concelho de ministros do anterior Governo. E apontam o dedo à definição dada pelo Governo a estufas, que exclui deste conceito toda a área coberta com estufins ou túneis, dando azo a que a área tapada por plásticos cresça efectivamente muito mais.

Os autarcas apontam que a RCM estabelece um regime especial aplicável ao Perímetro de Rega do Mira (PRM) que “permite a continuada densificação de culturas protegidas e consequente pressão social” na área do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV). Um dos factores que poderá vir a contribuir para o continuado recurso às culturas cobertas reside na definição de estufa.

O regulamento do Plano de Ordenamento do PNSACV onde se integra o PRM não prevê a definição do conceito de estufa, estufim, túneis elevados ou abrigos para culturas protegidas. No entanto, a RCM nº 179/2019 acentua que estufins, túneis e túneis elevados “não são estufas”, pormenor que leva os autarcas a concluir que se trata de “um caso único no país”. O conceito de estufa, assinala o comunicado conjunto dos autarcas, “deve ter como base a informação produzida pela Direcção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR) em 2016 que diz: Estufas são todas as produções cobertas”. É nesta contradição que poderá estar o instrumento para se “continuar a densificar as áreas cobertas nas explorações agrícolas” instaladas no PRM. Ao assumir-se o conceito de estufa, excluindo estufins, túneis e túneis elevados, “na prática significa que não existem estufas na área de PNSACV, situação surrealista face ao cenário actualmente existente”, contestam os autarcas.

No relatório do Grupo de Trabalho do Mira (GTMira), homologado em 5 de Julho de 2018, lê-se que a área ocupada por estufas no PRM é de apenas 159 hectares, “um valor que se encontra ainda muito longe de atingir o limite imposto pelo Plano de Ordenamento do PNSACV (30% de 12.000 hectares)”, assinala o comunicado.

Este dado dá a verdadeira dimensão do problema. A que acresce o alojamento dos trabalhadores migrantes necessários ao desempenho de tarefas das culturas cobertas. Os autarcas assumem a sua apreensão com a instalação de alojamento nas quintas agrícolas cujos limites máximos previstos pode chegar aos 400 trabalhadores para explorações com mais de 50 hectares. Lembram que o relatório do GTMira propôs que o seu número “não excedesse os 150 trabalhadores por quinta, com um limite global de 3.000 trabalhadores até à reavaliação da situação.”

A situação criada pela RCM e perante a necessidade de mão-de-obra na ordem dos 10 trabalhadores por hectare de produção, virá “agravar com consequências imprevisíveis” os riscos sociais de “um afluxo migratório sem precedentes na região”, que já tomou conta “do alojamento disponível em venda ou arrendamento.”

Os autarcas consideram um “imperativo” fixar os limites globais ao alojamento temporário nas explorações. A população em Aljezur e Odemira podem vir a duplicar com a chegada dos contingentes de imigrantes que são necessários (cerca de 36.000) para trabalhar nas culturas cobertas previstas. Para assegurar esta garantia, os presidentes das câmaras de Aljezur e Odemira dizem que “não abdicam das suas competências próprias e delegadas” que continuarão a exercer na gestão do ordenamento do território.”

A posição da Associação de Horticultores do Sudoeste Alentejano (AHSA) difere da que é assumida pelos autarcas. Numa nota divulgada na sequência da aprovação do RCM,  a organização acentua que a decisão do anterior Governo vem permitir a instalação de “alojamentos que garantem melhores condições de vida aos trabalhadores no sudoeste alentejano, assegurando, consequentemente, a disponibilidade da mão-de-obra necessária ao sector agrícola da região.  

Esta resolução, acrescenta a AHSA “vem dar resposta imediata a uma situação que carece de uma actuação mais estruturada a médio e longo prazo”, garantindo que o principal objectivo da AHSA é o de “apoiar o trabalhador numa fase inicial de integração, dando-lhe condições de habitação condignas e cómodas por um valor justo, muito inferior ao que é pago nos centros das localidades (muitas vezes com condições precárias e em que predomina a especulação imobiliária)”.

Manuel Amaro Figueira dirigente da Associação de Beneficiários do Mira (ABM) deu conta durante as reuniões do GTMira de um primeiro levantamento das “áreas susceptíveis de serem irrigadas, tendo apenas em conta a localização das infra-estruturas do Aproveitamento Hidroagrícola do Mira. O resultado deste levantamento revela que existem no PRM e áreas circundantes cerca de 17000 hectares, 12000 hectares no concelho de Odemira e 5000 hectares no concelho de Aljezur”, em condições de serem irrigados a partir da barragem de Santa Clara. No entanto os volumes de água disponíveis” são apenas suficientes para irrigar 12000 hectares (10700 hectares em Odemira e 1300 em Aljezur)”, conclui o dirigente da ABM.

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