Como a procura por pechinchas tornou a Amazon numa “feira da ladra” de falsificações

Malas Louis Vuitton por menos de 50 euros, pulseiras Hermès por pouco mais de 20 euros ou um cinto da Gucci por 27 euros. Será que é possível? O mercado das réplicas invadiu a empresa de comércio electrónico.

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Salvo raras excepções, as falsificações passam sempre pelos armazéns da Amazon. Reuters/Mike Segar

Uma pulseira Clic H da Hermès de 640 dólares é uma das bugigangas de luxo que está, à partida, financeiramente fora do alcance da maioria dos consumidores. Então como é que se explica que os clientes da Amazon tenham encontrado a pulseira por apenas 24,99 dólares? A versão da Amazon tem o mesmo fecho com o logótipo “H” de Hermès, que inverte para abrir a pulseira, bem como o nome da marca gravado no interior. No entanto, é uma falsificação.

Mas não é a primeira. Os executivos da Amazon lamentaram publicamente a praga de contrafacção, ao dizer que já gastaram centenas de milhões e contrataram milhares de trabalhadores para vigiar o mercado de empresas que usam o site para vender os seus produtos. Como a disponibilidade da pulseira falsa da Hermès demonstra, o sistema da Amazon está a falhar em estancar o fluxo de vendas duvidosas.

Antigos executivos e consultores exteriores à empresa defendem que a abundância de bens contrafeitos no site é resultado da decisão da Amazon em dar prioridade a uma vasta selecção de produtos a preços mais baixos, em vez de utilizar tecnologias agressivas e políticas que podiam travar o problema. A verdade é que a gigante do comércio online, sediada em Seattle, fica com cerca de 15% dos lucros das vendas, quer os produtos sejam ou não falsificados. Mas não são apenas as marcas de luxo que perdem: muitos dos produtos contrafeitos incluem artigos sanitários, comida de bebé e cosméticos, de acordo com o testemunho recente do Departamento de Comércio dos Estados Unidos, que tem vindo a proibir a venda online de bens contrafeitos.

Quando a Amazon reuniu esforços para controlar o problema das falsificações, há dois anos, as queixas dos consumidores diminuíram, recorda um dos antigos executivos da empresa. Contudo, diminuiu também o índice de crescimento que a companhia esperava, explicou uma fonte ao The Washington Post. Assim, no início de 2018, a Amazon começou ferozmente a adicionar vendedores, independentemente de se eram autorizados ou não pelas marcas, a vender aqueles produtos, explicou o antigo executivo. “Porque estão a aceitar tanta coisa no site, não conseguem fazer o acompanhamento que isso exige”, acrescentou.

Além dos colaboradores que investigam as queixas de fraude, a companhia desenvolveu algoritmos para filtrar os cinco mil milhões de mudanças no catálogo mundial, que acontecem diariamente, refere Cecília Fan, porta-voz da Amazon. Por cada caso denunciado, a companhia bloqueou ou removeu preventivamente mais de 100 anúncios dos sistemas, diz ainda.

Isto quer dizer que, 99,9% das vezes, os consumidores entram em páginas que ainda não receberam uma notificação de potencial violação de contrafacção, explicou Fan ao The Washington Post. Com 17,6 mil milhões de visitas diárias (dados da Similar Web referentes ao mês de Outubro), calcula-se que os consumidores entraram, pelo menos, em 17,6 milhões de páginas com falsificações. A Amazon, no entanto, não publica dados de tráfego.

Os executivos da Amazon usam os investimentos da companhia como trunfo para demonstrar o quão a sério levam este assunto. Num documento para o Departamento de Comércio, como parte do inquérito, o vice-presidente das políticas públicas da Amazon, Brian Huseman, sublinhou que a companhia havia gasto 400 milhões de dólares em recursos humanos no ano passado para lutar contra a fraude e o abuso, dando emprego a mais de cinco mil pessoas.

Falsificações representam 3,3% do comércio mundial

Os bens contrafeitos não são um problema exclusivo da Amazon. A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económicos (OCDE), um grupo de 36 países industrializados, no qual Portugal está incluído, estima que as falsificações constituam 3,3% do comércio mundial.

O problema na Amazon é, no entanto, agudo. O site tornou-se um dos mercados dominantes dos Estados Unidos, em parte, por ter aberto o comércio a terceiros. Ao adicionar 2,5 milhões de vendedores, a companhia expandiu rapidamente a selecção para mais de 500 milhões de artigos disponíveis (estimativas da empresa de investigação do comércio online Marketplace Pulse). Assim, os preços diminuíram transversalmente, seduzindo os consumidores.

Com a quantidade de novos vendedores abriu-se uma caixa de Pandora, tornando impossível para a Amazon policiar os cantos escuros das páginas e denunciar todos os burlões, sublinhou Juozas Kaziukėnas, chefe executivo do Marketplace Pulse. “O problema nunca ficará revolvido porque foi causado pela dimensão”, reconhece Kaziukėnas.

Apesar dos algoritmos da Amazon criados para detectar as falsificações, se um consumidor digitar “imitação YSL”, na barra de pesquisa, vai encontrar várias cópias de malas com o logótipo Yves Saint Laurent, bem como outras imitações com design e logótipo de marcas de luxo como Louis Vuitton, Fendi ou Gucci. Por pouco mais de dez dólares, é possível encontrar uma imitação de uma carteira para o passaporte da Louis Vuitton, com o selo “Escolha da Amazon”, utilizado normalmente para recomendar produtos.

As opiniões deixadas pelos consumidores dividem-se. Enquanto alguns elogiam a qualidade das falsificações ou o preço mais em conta, tendo em consideração o valor da peça verdadeira, outros sentem-se enganados ao receber produtos de má qualidade, que achavam ser autênticos.

Processos e produtos falsificados

Grande parte das marcas luxo não vende os seus produtos directamente à Amazon, daí que dependam de terceiros para os fornecer. Graças à rede global de armazéns que disponibiliza, a companhia incentiva os vendedores a autorizarem que sejam eles a tratar do envio para garantir a rapidez da entrega, através do serviço Prime. Significa que as falsificações passam, salvo raras excepções, pelas prateleiras da Amazon.

“As falsificações são um problema considerado um mal necessário, quando se vende neste volume”, defende Chris McCabe, antigo investigador da Amazon, que agora faz consultoria para vendedores do site.

Foram várias as marcas a processar a Amazon. A Daimler, fabricante de automóveis e dona da Mercedes-Benz, acusou a Amazon de permitir a venda de capas para jantes falsas, num processo que remonta a Novembro de 2017. A Amazon revela que o processo foi arquivado, mas recusou dar mais detalhes.

A marca de sandálias Birkenstock processou a Amazon, há três anos, por vender réplicas dos seus produtos. Na época, a marca tinha deixado de vender directamente na Amazon. Hoje ainda é fácil encontrar Birkenstocks no site.

Em 2017, a empresa norte-americana lançou um serviço de registo de marcas, onde é possível registar logótipos e a propriedade intelectual, de forma a facilitar a identificação e remoção de anúncios de falsificações. Cecília Fan, porta-voz da Amazon, garante que mais de 20 mil marcas já se juntaram ao programa, acrescentando ainda que, no ano passado, a Amazon conseguiu denunciar mais de um milhão de vendedores suspeitos, mesmo antes de estes entrarem em actividade, e bloquear mais de três mil milhões de anúncios.

O The Washington Post foi mais longe e fez uma encomenda na Amazon. Com 164 dólares, aproximadamente 148 euros, escolheram uma mão-cheia de produtos que utilizam os logótipos e o design único de marcas de luxo, para determinar a sua autenticidade. A lista incluía uma bolsa de 49 dólares, que copiava o design da mala Neverfull, da Louis Vuitton, normalmente vendida por 1390 dólares, e um cinto de 30 dólares com o G da Gucci, réplica do exemplar que a marca vende por 450 dólares. Um especialista de uma loja de luxo, Kevin Kego, analisou cada peça e chegou à conclusão de que eram todas falsificações. Todas tinham sido enviados através do sistema Amazon Prime, em dois dias, a partir dos armazéns da companhia. Desde então, a Amazon retirou todos estes anúncios.

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