Já não tenho idade para novas amizades

Começa a faltar o ar para contar tudo outra vez, à procura de cimentar novas amizades: quem somos, os ideais que nos movem, as cabeçadas contra a parede, as aprendizagens e erros, a olhar 40 anos para trás em vez de 40 anos para a frente.

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Estou chato. Estou velho e chato. Cansado. Um perfeito marreta, sempre a queixar-me de tudo e todos, a dizer mal de tudo e todos. Sem paciência, deserto a toda a hora por ir para casa. Não quero falar com mais ninguém. Só com os meus, os da minha geração ou mais velhos e nem por isso com os mais novos.

Quero segurança e nem por isso novidade. Olho-me ao espelho e vejo idade. Comecei a cristalizar. E não, não sou assim tão chato, tenho amigos e uma vida social cultivada ao sabor das décadas, saio ao fim-de-semana e quem me quer está sempre do lado de lá da linha, a dois quilómetros de distância ou do lado de lá do mundo. 

Mas, e não sei porquê, começa a faltar o ar para contar tudo outra vez, começa a faltar o tempo para contar tudo outra vez e perguntar tudo outra vez à procura de cimentar novas amizades: quem somos, os ideais que nos movem, as cabeçadas contra a parede, as aprendizagens e erros, a olhar 40 anos para trás em vez de 40 anos para a frente, as mesmas piadas, os filmes, as viagens, os livros, amores e desamores, conquistas e desabafos, a família, os problemas.

E por isso afasto-me. Egoísta, não me dou a conhecer. Reservo-me com a idade, mas nem por isso como o vinho. Antes pelo contrário, azedo com o tempo, a boca avinagrada e a vida também. Perco a cor. 

Nunca te aconteceu? Ter quem venha constantemente ter contigo à procura de saber, a querer saber, de ti, sobre ti, quanto fizeste e aprendeste e tudo o que podes ensinar? E não é bom, apesar do tempo e do peso das rugas, ter quem ainda se interesse por ti? Chamamos a isso um bom princípio para uma amizade e de guerras e tristeza está o mundo cheio.

E, no entanto, o medo. O medo de falhar, de ver o outro falhar apesar dos nossos melhores conselhos e cair outra vez. Às vezes penso já não ter idade para novas amizades, não ser possível fazer novos amigos. Já fiz e agora é isto e nada mais até ao fim do mundo. Perdi um pouco da esperança, da juventude, a inocência da infância e a crença eterna na amizade.

Porque perdi amigos e não quero perder outra vez. Criei defesas, espinhos, construí um fosso e ergui muros, os soldados estão nas ameias e os canhões também: por bem ninguém há-de entrar, só mesmo por mal.

Mas ninguém pode viver a vida assim, isolado, só, triste e pardacento. Não há necessidade. Respiro. Uma vez, duas. Deixo passar um dia e peço desculpa. Não te queria ofender. Para a semana podemos combinar sair e jantar? Acho que merecemos. Vou falar com a Ana.

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