Bolívia: Falta de combustível obriga a plano de emergência em La Paz

Uma centena de camiões vão trazer gasolina e gasóleo de Peru e Chile. Presidente interina diz que “muito em breve” haverá notícias sobre as eleições. Morales quer voltar à Bolívia para completar o mandato.

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Apoiantes de Evo Morales em Sacaba, onde aconteceu o episódio mais trágico dos protestos, com nove manifestantes mortos pelas forças de segurança MARCO BELLO/Reuters

Os apoiantes do Presidente boliviano deposto Evo Morales, actualmente exilado no México, estão a conseguir deixar a cidade de La Paz sem combustível, bloqueando os acessos à refinaria de Senkata, o que levou o Governo de transição a desencadear um plano de emergência para garantir o abastecimento de gasolina e gasóleo à principal cidade do país.

Cerca de uma centena de camiões cisterna vão começar a trazer combustível do Peru e do Chile para substituir em parte aquele que não chega desde Senkata. Sublinhando que esta solução é de recurso e não repõe os níveis de oferta para satisfazer a procura, o ministro de Hidrocarbonetos, Victor Hugo Zamora, especificou que, pelo menos, irá permitir “retomar a circulação do transporte público” que “é o que está sendo mais afectado”.

Este fim-de-semana, os manifestantes que impedem a circulação entre El Alto e La Paz, reunidos em assembleia, decidiram manter a medida de pressão para obrigar à renúncia do que consideram ser o Executivo ilegítimo de Jeanine Áñez.

A Presidente interina, questionada sobre quando seriam marcadas as eleições, foi vaga na sua resposta, limitando-se a referir que “muito em breve” dará notícias sobre a convocatória de um novo sufrágio. “Informamos que muito em breve daremos notícias sobre o nosso principal mandato, a convocatória de eleições transparentes e a recuperação da credibilidade democrática do nosso país”, afirmou Jeanine Áñez.

Karen Longaric, a ministra dos Negócios Estrangeiros, salientou esta segunda-feira que o Executivo tem o apoio dos organismos internacionais para levar a cabo as eleições “mais transparentes” da história.

O enviado das Nações Unidas, Jean Arnault, e o representante da União Europeia na Bolívia, León de la Torre Krais, reuniram-se este domingo com Jeanine Áñez. Arnault pressionou a chefe de Estado interina para “acelerar” a solução política para a crise, desatada pelo golpe que obrigou o chefe de Estado a deixar o poder e seguir para o exílio.

Arnault vai fazer um périplo por várias regiões bolivianas para se encontrar com “actores políticos e sociais”, defendendo “a necessidade urgente de diálogo”, a “não violência” e a “protecção da vida”.

De La Torre Krais também sublinhou que o diálogo político é imprescindível para encontrar uma solução para a crise que se seguiu às eleições presidenciais de 20 de Outubro, até porque, sublinhou, cada morte que se junta à lista “dificulta o processo de pacificação”.

Segundo a Comissão de Direitos Humanos da Bolívia, 24 pessoas já foram mortas e mais de 700 feridas na repressão dos manifestantes pró-Evo Morales por parte das forças policiais e militares, algo que não aconteceu nas manifestações contra o ex-Presidente, em que muitos polícias e militares até participaram nos protestos.

A imprensa boliviana “procura ocultar” a repressão, como explica Leandro Morgenfeld, investigador do Conicet (Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas argentino), citado pelo jornal Página/12, para quem está em curso uma operação mediática contra Morales que faz parte de “uma estratégia continental que procura diabolizar os líderes populares”.

Licença para matar

O actual Governo interino emitiu um decreto na passada sexta-feira a eximir de responsabilidades penais os polícias e militares que matem manifestantes durante a repressão dos protestos. Este domingo, o ministro da Presidência, Jerjes Justiniano, garantia, no entanto, que não se tratava de “uma licença para matar” e que a mesma “não contribui para nenhum estado de maior violência”, sendo mesmo um instrumento para “contribuir para a paz social”.

O episódio mais sangrento aconteceu na sexta-feira na cidade de Sacaba, na região central de Cochabamba, quando as forças de segurança mataram nove produtores de folhas de coca e feriram outros 115. Nelson Cox, do Ministério Público de Cochabamba, diz que as investigações mostram que não houve nenhum confronto, mas um “ataque” premeditado contra a população civil que protestava, prova disso é que os mortos foram atingidos por munições reais.

Em Sacaba, as escolas continuaram fechadas esta segunda-feira, tal como em El Alto e nas povoações ao longo da estrada que liga esta cidade a La Paz, onde está a sede do Governo. O Executivo interino abriu um inquérito ao sucedido no sábado, mas alentou a hipótese de os manifestantes terem sido mortos por disparos de outros manifestantes.

Desde a cidade do México, Morales deu uma entrevista à Al Jazira no domingo em que dizia estar a tentar encontrar “uma forma legal para voltar e estar com o povo que resiste a uma ditadura, ao golpe”. O ex-Presidente boliviano afirma que não consegue estar fora do país: “Estou habituado a estar com o povo, como líder sindical, presidente, a trabalhar”.

Ao contrário do que tinha dito no dia anterior, em entrevista à BBC, desta vez admitiu que não se candidatará à Presidência se conseguir voltar à Bolívia, mas quer, em contrapartida, completar o seu mandato (que oficialmente acabava em Janeiro) – até porque, como referira à BBC, ele ainda é o Presidente da Bolívia.

“Não sei porque têm tanto medo do Evo, não querem que eu participe, para mim está bem, tudo pela vida, pela democracia. Retiro a minha candidatura, mas têm de me deixar acabar o mandato. Está percebido?”, explicou à Al Jazira.

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