Deixa a papa, Joana, deixa a papa (II)

Os problemas alimentares são muito comuns em crianças pequenas e estão intimamente ligados à relação com o cuidador devido à dependência que a criança tem com este. No entanto, isto não quer dizer que a dificuldade de uma criança em comer seja culpa exclusiva dos seus pais.

Foto
@petercalheiros

No artigo “Deixa a papa, Joana, deixa a papa (I)”, foi dado o exemplo de uma criança que, tal como muitas outras, rejeita a comida. Em alguns casos, podemos estar perante um problema relacionado com a alimentação, noutros estamos simplesmente perante uma questão de não apreciar certos sabores ou texturas, ou da criança estar mais interessada em explorar o ambiente ou em brincar do que em comer.

Tal como o desenvolvimento motor e da linguagem, a alimentação pode ter um progresso irregular, com avanços e recuos no aumento e na redução do apetite. Na maior parte dos casos, esta irregularidade não constitui um problema alimentar e evolui natural e positivamente.

Os problemas alimentares são muito comuns em crianças pequenas e estão intimamente ligados à relação com o cuidador devido à dependência que a criança tem com este. No entanto, isto não quer dizer que a dificuldade de uma criança em comer seja culpa exclusiva dos seus pais. Às vezes, estamos efectivamente perante pais que têm dificuldade em definir padrões alimentares; às vezes temos crianças com padrões difíceis e que querem afirmar-se usando a recusa alimentar; outras vezes os dois juntos. Independentemente do que tenha causado a falta de interesse pela comida, esta pode acabar por se transformar numa luta de poder entre a criança e os seus pais, em que, na maior parte das vezes, ganha a criança. Muitos pais entram nesta luta por preocupação, dado temerem que, se a criança não comer como acham que deveria, pode ficar doente ou subnutrida e não medem esforços para a fazer comer — desde palhaçadas à frente do prato até murros na mesa e insultos que só agravam o problema.

Imagino que muitos pais já estejam a perguntar: “Então o que é que devo fazer?”

Para começar, acalme-se antes de se sentar à mesa com a criança. O seu filho está subnutrido? O que diz o pediatra? Faça uma breve reflexão e tente compreender a sua resposta emocional à recusa da criança e o que pode mudar para controlar melhor as suas reacções. Respeite, sempre que possível, os gostos da criança e tenha sempre em mente três palavras-chave: persistência, consistência e paciência. Vai precisar de usá-las com algum rigor. Proporcione um ambiente agradável durante as refeições, sem que isto queira dizer tablet ou televisão ligada nos desenhos animados. Recompense quando a criança come bem e dê atenção positiva quando apresentar um comportamento desejado à mesa. Ignore comportamentos que não se encaixem com o que deseja. Procure ter uma rotina associada à alimentação e fale de forma tranquila com a criança, sem ameaçar caso ela não coma. Se conseguir que coma alguma coisa nutritiva numa refeição, pode relaxar um pouco noutra e evitar batalhas à mesa. Explique antecipadamente que quando as outras pessoas acabarem ela também deve terminar. Resista à tentação de estar sempre a dizer “faltam x minutos...” Não deixe que a refeição se arraste mais de 45 minutos; estabeleça um período de tempo que considera necessário para a criança acabar de comer e tire o prato sem dramas ou ameaças. Vá negociando aquilo que a criança prova e as quantidades, de modo a fazer uma exposição gradual aos alimentos e às situações até àquele momento evitadas pela criança, como, por exemplo, comer à mesa com os adultos.

Não tente avaliar o valor nutricional da alimentação da criança em função da quantidade. Ajuste a quantidade de comida que serve à criança, porque, provavelmente, está a servir a mais, o que faz com que o seu filho, mal olhe para o prato, fique assustado com a montanha que tem à sua frente ou com o prato de sopa a transbordar.

Não caia na tentação de substituir uma refeição por outro alimento, como, por exemplo, leite, porque acha que a criança comeu pouco, nem oferecer lanchinho ou bolachas fora de horas. E não esqueça que o exemplo dos adultos também conta!

Algo que resulta sempre, nas minhas consultas relacionadas com dificuldades alimentares, é dar liberdade aos pais e à criança para explorarem diferentes alimentos, contrariando ideias por vezes inibidoras da mudança de que a criança não come nada ou que os pais não sabem alimentar o filho. Sintam-se livres e libertem o vosso filho para os sabores e texturas dos alimentos, aceitando que ora come mais, ora menos. É natural os pais preocuparem-se com a saúde dos filhos, mas não deixem que a preocupação ocupe todos os lugares à mesa.

Sugerir correcção
Comentar