O tempo da verdade não é o da emoção

Debates públicos como o que sucedeu após a descoberta de um recém-nascido no lixo devem muito à emoção e pouco à razão.

“Recém-nascido encontrado em caixote do lixo junto a discoteca”. Nesta frase que condensa a notícia com que muitos portugueses despertaram para o assunto na terça-feira, dia 6, está um drama humano profundo e estão também os condimentos que incendeiam a conversa de café e as redes sociais. Se acrescentarmos o vídeo do momento, entra a televisão na equação para maximizar o alcance do assunto.

A conversa esteve em todo o lado e a primeira vaga de reacções foi a do horror, a de questionar que gente era aquela que abandonara à sua sorte um ser indefeso, salvo, por ironia, por alguém que tinha tudo para ser protegido em vez de ser protector. Seguiu-se a vaga da compreensão, quando se soube que a mãe, entretanto detida, era uma sem-abrigo, imigrante ilegal. Muitos criticaram os que antes a tinham julgado, justificando-a com a necessidade de se entender primeiro como tinha “falhado a sociedade”. Numa sucessão lógica, vieram, por fim, as reacções à prisão preventiva da mulher, inexplicável para muitos, nomeadamente para os advogados que decidiram colocar-se sob a atenção mediática com um pedido de habeas corpus.

A resposta do Supremo Tribunal de Justiça, anteontem, e uma reportagem da SIC com os sem-abrigo que realmente tinham encontrado o recém-nascido vieram mostrar como este tipo de debates públicos deve muito à emoção e pouco à razão. Pelo caminho, sacrificam-se os mediadores e o tempo de que necessitam para tentar chegar à verdade, neste caso, a Justiça e a imprensa, mesmo que esta tenha forte tendência para se auto-imolar.

Claro que há contextos que ajudam a explicar comportamentos, mas há também indivíduos com vontade própria e, acima de tudo, há valores que é necessário defender, independentemente de quem venha a ser considerado merecedor de julgamento mais severo. Para isso é preciso tempo e ponderação, algo que raramente encontra lugar no actual espaço público. Este evento que despertou a veia punitiva de alguns ou a propensão desculpabilizadora de outros deveria ficar como um aviso à ponderação.

Um aviso que, aliás, o próprio Presidente da República, sempre dado a abraços solidários em cima do acontecimento, também deveria seguir. Quando um Presidente nomeia alguém, perante as câmaras, como “o nosso herói”, é bom que não o faça quando foi enganado por alguém que parece não ter tido grande papel na descoberta do recém-nascido, antes ter sabido aproveitar-se do momento. A palavra do Presidente importa e a verdade também. E para que uma e outra sejam ponderadas e consistentes, precisam de um tempo de resposta que não coincide com a vertigem das redes sociais nem com a velocidade das notícias na Internet ou nas televisões.

P.S.: A visita da ministra da Justiça à mãe presa padece, infelizmente, dos males aqui enunciados.

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