Macron e os elefantes no meio da sala

Há os que o consideram ingénuo. Entende-se, mas na realidade é o menos ingénuo dos políticos europeus. O que se passa é que ele é o único que procura verdadeiramente reformar, engrandecer, e salvar pelas únicas vias possíveis, o projeto europeu.

A entrevista do Presidente francês à publicação The Economist merece realmente ser lida. Em especial, porque Macron tem razão em praticamente todas as soluções que aponta como único futuro possível para a União Europeia. Bem que procurei alguns pontos onde pudesse discordar, mas não os encontrei.  

Percebe-se porque é que o líder de apenas 41 anos foi dos poucos na Europa que conseguiu travar a ameaça da vitória da extrema-direita no seu país. Mesmo num dos sítios onde seria menos provável conseguir fazê-lo. Enfrentou o valor histórico de uma Frente Nacional e o perigo crescente de uma Marine Le Pen. Se ontem desmontou sem rodeios um a um os argumentos que procuravam simplificar problemas complexos e o retrocesso que significariam algumas das políticas da FN em França, hoje procura acordar a União Europeia da sua inércia nas grandes questões. Procura que se atue sobre os elefantes no meio da sala e que continuam a ser ignorados por quase todos os líderes dos Estados-membros.    

Apesar das manifestações recorrentes dos gilets jaunes, a França é o país europeu que melhor se prepara para responder a alguns dos desafios tecnológicos, económicos, e de desenvolvimento sustentável que se avizinham no futuro próximo. Menos idealista sem deixar de o ser, e mais pragmática. A liderança francesa de hoje é provavelmente o que mais se assemelha à inglesa de outro tempo.

É óbvio que a Europa tornar-se-á irrelevante na geopolítica se não conseguir enquadrar-se como um poder global. Como diz o presidente francês, não foi hoje que os EUA mudaram e há muito que os europeus só podem verdadeiramente contar com eles próprios na política externa. Não deixa de ser uma oportunidade. A Nato está morta enquanto entidade que não seja meramente operacional e quanto mais cedo isso for entendido, mais rápido se começa a construir uma política de defesa comum que sirva os interesses do continente. Macron apela ao lado estratégico e político para lá do comércio e economia, quando muitos ainda não entenderam que as últimas oscilam e se definem consoante as primeiras. Esse também é o campo da afirmação europeia. A falta de ação em relação à questão do 5G, sem que se saiba atuar em casos concretos como um terceiro poder na guerra comercial entre os EUA e a China, seja no equilíbrio desse poder, ou como alternativa onde o é, não deixa de ser um confronto necessário pelas empresas europeias que se veem excluídas das mesmas condições no mercado global.  Hoje e em grande parte pela mudança de atitude e das regras investidas pela França, a Europa começa a escrutinar de forma rigorosa toda a proveniência do investimento estrangeiro, implementando a reforma das políticas de concorrência e o apoio à inovação. Mudanças paralelas que podem travar e concorrer com o gigante asiático em cada país europeu.

Um relatório provisório desenvolvido pela UE que li recentemente sobre as ameaças à segurança associada ao 5G demonstra de forma evidente os riscos especiais das empresas chinesas nesse sector: parece que pela primeira vez se atua em conjunto para enfrentar o desafio e a pressão da economia asiática. Não chega. Depois do papel, falta implementá-lo e agir em conformidade. 

A recente visita de Macron à China foi ao encontro das respostas dadas na entrevista ao Economist. Ao levar comissários europeus e um ministro alemão, tornando-a tudo menos bilateral, o Presidente francês dá um crédito à União Europeia que poucos antes dele deram e destoa inequivocamente da liderança alemã. Arrisca também como nenhum outro. Sobretudo internamente em França. Sabendo de antemão que a China jamais lhe daria qualquer relevância pela defesa de uma política europeia unificada e realista:  uma Europa dividida defende os seus interesses. No entanto, Macron fê-lo, invocando meios que poucos descortinam para este posicionamento europeu em solo chinês.

É verdade que a opinião pública europeia gosta mais de Macron do que os franceses. As publicações como o Economist onde deu a entrevista e o Financial Times não deixam de estar alinhadas nos temas essenciais. Nos elefantes no meio da sala que outros ignoram. Fazem bem. Há os que o consideram ingénuo. Entende-se, mas na realidade é o menos ingénuo dos políticos europeus. O que se passa é que ele é o único que procura verdadeiramente reformar, engrandecer, e salvar pelas únicas vias possíveis, o projeto europeu. Compreende o novo mundo. Com mais ou menos interesse De Gaulleano ou francês, não defrauda as expetativas dos europeístas.

Não defrauda quem viu um simbolismo maior no dia sua eleição com a entrada no Louvre ao som do hino europeu em vez de o do seu país. Não era popular fazê-lo. Nem hoje, nem ontem. Se houver futuro para a União Europeia é dele que depende a liderança.

Que ça vous plaise ou non.

    

  

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