BE quer que Governo recue e abra a porta ao aumento do número de trabalhadores em hospitais

Ministério da Saúde assinou um despacho onde proíbe os hospitais de aumentar o número de trabalhadores, salvo em situações excepcionais. Bloco de Esquerda fala em “recuo” no caminho de investimento no Serviço Nacional de Saúde e acusa o Ministério de Saúde de “má gestão dos recursos”.

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Ministério da Saúde assinou um despacho que impede que hospitais contratem mais trabalhadores sem autorização da tutela Paulo Pimenta

O Bloco de Esquerda quer que o Governo revogue o despacho do Ministério da Saúde conhecido esta quarta-feira que determina o prolongamento do impedimento de os hospitais aumentarem o número de trabalhadores face ao registado este ano. O projecto de resolução do Bloco de Esquerda foi entregue esta quinta-feira na Assembleia da República e deixa duras críticas ao primeiro despacho de lei assinado pelo novo secretário de Estado da Saúde, António Sales. “Toda a gente que está à espera de um reforço no Serviço Nacional de Saúde ficou surpreendido negativamente por este despacho”, nota o deputado Moisés Ferreira, em declarações ao PÚBLICO. Para o bloquista, o primeiro despacho do novo secretário de Estado é alarmante e “perpetua a falta de resposta e representa um recuo no caminho que se está a fazer”.

“Na anterior legislatura, o reforço do SNS foi uma discussão longa e difícil. Mas ainda assim foi possível aprovar uma Lei de Bases da Saúde — que contou com o voto do PS — onde, conforme consta na sua Base 22, se estipula que deve existir a autonomia de gestão das instituições”, lembra Moisés Ferreira. “Este é um despacho que atropela tudo isso. É um passo atrás”, considera.

De acordo com o documento do Ministério da Saúde, que ainda não foi publicado em Diário da República, “as entidades não deverão aumentar o número de trabalhadores, face ao registado em 2019, não ser em situações excepcionais avaliadas e aprovadas, caso a caso, pela tutela”. Será ainda da responsabilidade de cada gestor “garantir que as despesas com pessoal que propõe são consistentes com um orçamento equilibrado”, lê-se no despacho assinado pelo secretário de Estado da Saúde e a que o PÚBLICO teve acesso.

Para o Bloco, impedir que os hospitais aumentem o número de trabalhadores representa uma fraca gestão de recursos por parte do Ministério da Saúde. O BE avisa que a medida pode sair ainda mais cara ao Estado. “O Governo deve revogar o despacho”, porque “não só não representa a lei, como não vai ao encontro das necessidades do SNS”, afirma o deputado. “Com este despacho, o que resulta é que se continuará a gastar mais dinheiro em horas extraordinárias e contratações externas. O Estado acaba a gastar dinheiro na prestação de serviços quando esse dinheiro deveria ser colocado ao serviço da melhoria estrutural do SNS.” 

“Há cirurgias adiadas por falta de enfermeiros ou por não existirem funcionários para higienizar as salas de operações. Há gastos associados a ter uma capacidade instalada que não é utilizada por falta de profissionais”, sublinha o deputado. “Isto é não só um irracional gasto de recursos do SNS como, pior do que tudo, é um mau serviço aos utentes”. 

Além de apelar ao Governo para que revogue imediatamente o despacho, o Bloco pede que o executivo de António Costa instrua os Conselhos de Administração do SNS para, até ao dia 31 de Dezembro, fazerem o levantamento e demonstração efectiva da necessidade dos recursos humanos necessários para que, posteriormente, possam contratar os profissionais em falta. 

No documento entregue no Parlamento esta quinta-feira, o Bloco lembra que entre 2011 e 2015, o SNS perdeu quatro mil profissionais. E, embora note que nos últimos anos foram contratados mais profissionais, o partido assinala que “estas contratações ficaram abaixo das necessidades manifestadas pelas próprias instituições do Serviço Nacional de Saúde”. Em causa estavam os “entraves a essas contratações” e as “limitações várias às instituições, nomeadamente através de um sistema de autorizações em cascata que lhes retirava qualquer autonomia e centralizava no Governo (com última palavra para o Ministério das Finanças) a decisão de contratar um profissional”. Limites esses que o Bloco de Esquerda vê agora repetidos no segundo Governo de António Costa.

O Bloco de Esquerda assinala ainda falta de médicos especialistas que assegurem o funcionamento pleno dos serviços de urgência e dá o exemplo das “urgências obstétricas da região de Lisboa, na urgência pediátrica do Garcia de Orta ou no serviço de urgência do Santa Maria”. “Vemos os chefes do Santa Maria a pedir escusa de responsabilidade porque não têm pessoas suficientes na equipa”, realça Moisés Ferreira. 

Os bloquistas apontam ainda os “tempos de espera intoleráveis para inúmeras consultas de especialidade, da oftalmologia à dermatologia” e a “insuficiência de resposta do SNS para a realização de meios complementares de diagnóstico”. “Há camas de internamento que não podem abrir por falta de enfermeiros ou cirurgias que são desmarcadas por falta de enfermeiro ou assistente operacional. Como pensa o Governo resolver esta situação ao limitar novamente a contratação de profissionais?”, pergunta o partido.

“Não deixa de ser de interessante observar que o sítio na internet do SNS anunciou a lei sobre o reforço da autonomia como Entidades do SNS podem contratar de acordo com as necessidades, mas agora, vem o Governo, com o primeiro despacho do Secretário de Estado da Saúde, acabar com esta possibilidade”, assinalam os bloquistas. “Sabendo a falta de profissionais que existe no SNS não se compreende esta posição do Governo que procura voltar atrás e ignorar decisões da Assembleia da República”, lê-se no documento.

Médicos e administradores criticam despacho

À Lusa, o Ministério da Saúde afirma que o “acautelar de necessidades prementes” está previsto no despacho, mas sublinha que é necessário “o reforço de mecanismos para uma correcta e indispensável avaliação da tutela com vista a uma gestão eficiente, eficaz e sustentável dos recursos humanos”.

A Associação dos Administradores Hospitalares lamenta que a nova equipa ministerial insista em soluções que não funcionam e que limitam a autonomia dos hospitais. “Não vejo este despacho como positivo. Sabemos que há necessidade de recursos humanos. É objectivamente necessário contratar mais pessoas, até para reduzir custos com as horas extraordinárias, por exemplo”, reagiu o presidente da Associação dos Administradores Hospitalares, Alexandre Lourenço, em declarações à agência Lusa.

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