Ferramenta ajuda oncologistas e governos a escolher medicamentos com maior benefício clínico

Membro da Sociedade Europeia de Oncologia Médica, a médica Fátima Cardoso sugere que Infarmed possa usar a ferramenta, que pode trazer mais transparência às escolhas dos medicamentos a aprovar e comparticipar.

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Rui Gaudencio

É o medicamento mais recente para tratar um cancro realmente inovador? Que benefícios traz em relação a outros? São perguntas que ganham maior importância à medida que a investigação coloca no mercado mais tratamentos e com preços muito elevados. A Sociedade Europeia de Oncologia Médica (ESMO, em inglês) criou uma ferramenta — a Escala de Benefício Clínico dos Medicamentos — para ajudar oncologistas e governos a avaliar os medicamentos que têm maior beneficio clínico para os doentes.

O significado de benefício clínico e a escala são tema de uma das sessões da 5.ª Conferência Internacional de Consenso sobre o Cancro da Mama Avançado (ABC5), que se inicia esta quinta-feira em Lisboa. Fátima Cardoso, coordenadora do evento e membro da direcção da ESMO, deixa a sugestão ao Infarmed, entidade que em Portugal avalia a introdução e comparticipação dos medicamentos: “Que utilize uma ferramenta que está a ser usada noutros países e que aumentaria a transparência de como as decisões são tomadas.”

“O que a escala faz é dar um valor objectivo ao benefício clínico que um determinado tratamento traz” de acordo com os resultados que mostrou em determinado ensaio clínico. A escala cruza vários tipos de dados, como por exemplo a sobrevida, a sobrevida sem progressão da doença, efeitos secundários e qualidade de vida e dá classificações. Se o tratamento for de âmbito curativo, a escala divide-se em A, B e C. Se for não curativo, a classificação é de 1 a 5.

“Os [medicamentos] que têm uma classificação de 4 ou 5 são claramente aqueles a que se devem dar prioridade em termos de reembolso e de disponibilidade. São aqueles cujo benefício clínico é importante. Na escala do sistema curativo, não se devem utilizar recursos no C”, explica a também directora da Unidade de Mama do Centro Clínico da Fundação Champalimaud.

O objectivo, “é ajudar os pagadores a colocarem prioridades”. “Se os recursos são limitados, deve-se optar pelo medicamento que dá maior benefício”, refere a médica. A escala traz mais duas vantagens: “Permite que todos falemos a mesma linguagem e quando dizemos que um medicamento é inovador e que traz um beneficio extraordinário, temos de o ver na escala. Por outro lado, a partir da aplicação da escala houve uma melhoria franca na forma como os ensaios clínicos são feitos.”

“Acho que ajudaria o Infarmed ter uma ferramenta objectiva que todos os oncologistas devem conhecer, que já é utilizada noutros países e que obriga a uma avaliação mais homogénea a nível europeu e mundial”, refere a especialista, salientando que não seria ferramenta única para se tomar a decisão. Para Fátima Cardoso seria também benéfico que a Agência Europeia do Medicamento (EMA, em inglês) e a norte-americana Food and Drug Administration (FDA) a pudessem usar.

“Os reguladores têm neste momento uma posição que é se o estudo for positivo, aprovam. E não colocam nas discussões qual o verdadeiramente o benefício adicional que esse medicamento traz”, refere. “Existem vários estudos publicados que olharam para cinco e dez anos de aprovações de medicamentos por parte da FDA e da EMA. Quando aplicada a escala — isto para todos os cancros —, só 20% dos medicamentos aprovados é que realmente têm classificações muito altas.” O estudo que analisou as aprovações da FDA usou uma escala que tem também em conta o preço dos medicamentos: “Concluiu que o preço não tem relação com o benefício que o medicamento traz, o que é inaceitável.”

Terapias complementares

Outra das sessões da conferência é dedicada às terapias complementares que podem atrasar ou limitar os efeitos dos tratamentos oncológicos. Chá Verde, matricária, alho, gengibre, ginko, ginseng, espinheiro-alvar castanha-da-índia e curcuma longa são apenas alguns exemplos da variedade de produtos naturais que muitos doentes usam.

“A maior parte dos consumidores das medicinas complementares são os doentes com cancro. Desses, a grande maioria são mulheres e a grande maioria com cancro da mama. Se não perguntarmos e ignorarmos que isto acontece, não só não estamos a ajudar como podemos estar a prejudicar os tratamentos que recomendamos”, refere Maria João Cardoso, professora da Faculdade de Medicina Nova de Lisboa.

A médica da Unidade da Mama do Centro Clínico Champalimaud vai apresentar um quadro com várias interacções que podem acontecer entre produtos naturais e tratamentos oncológicos convencionais. “A nossa preocupação são os produtos naturais que incluem a fitoterapia, portanto os derivados das plantas, e os suplementos alimentares, que para já não são incluídos na regulamentação habitual de medicação porque não são considerados como tal”, salienta, referindo que outras terapias complementares como acupunctura, reiki ou ioga “não têm nenhuma implicação negativa na medicina convencional”.

A médica reforça a necessidade de se falar com os doentes e alertar para os riscos associados. “É preciso chamar atenção que não é só saber se um produto é eficaz contra a doença ou seus efeitos laterais, mas se interfere activamente no tratamento que estamos a fazer”, refere, dando o exemplo do alho que consumido “em doses muito altas tem interferências sérias na coagulação”.

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