Saúde: entre o “desafio para a década” e o “ponto de não retorno”

O secretário de Estado da Saúde reafirmou esta terça-feira que a saúde “é uma prioridade” para o Governo. Vice-reitor da Universidade de Nova de Lisboa alertou para o facto de o SNS poder “estar muito perto do ponto de não retorno”.

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LUSA/ANTÓNIO COTRIM

O secretário de Estado da Saúde António Sales reafirmou esta terça-feira que a saúde “é uma prioridade” para o Governo, mas salientou que o “caminho é longo” e que a Convenção Nacional de Saúde, onde esteve presente, estabeleceu uma “agenda para década”. A quarta conferência desta iniciativa, que decorreu em Lisboa, teve o mote “Saúde: A Prioridade da Legislatura”. O cirurgião José Fragata defendeu que a saúde tem mesmo de ser uma prioridade e alertou para o facto do Serviço Nacional de Saúde (SNS) poder “estar muito perto do ponto de não retorno”.

“O Governo assume a saúde como uma prioridade desta legislatura. A saúde é a área que os portugueses mais valorizam. Temos medidas claras para dotar os cuidados de saúde primários com mais respostas, queremos apostar na saúde nos primeiros anos de vida, melhorar as condições de trabalho no SNS”, afirmou o secretário de Estado.

Mas António Sales deixou um recado à Convenção Nacional de Saúde, que congrega mais de 150 entidades, entre sectores privado, social e associações de doentes. O caminho é longo e a própria convenção, que conta com o alto patrocínio do Presidente da República, recordou o responsável político, desenhou uma agenda para década.

“O caminho é longo e exigente”, disse, afirmando que “Estado, privados, sector social, profissionais, cidadãos” estão todos “convocados” a desempenhar o seu papel na melhoria da saúde. “Há vontade política para enfrentar os desafios em Portugal. É uma tarefa estrutural que não se consegue resolver a curto prazo. Estamos no início da legislatura e mesmo a Convenção apontava para uma agenda para a década. Há muito trabalho a fazer e um longo caminho a percorrer. Caminho que temos de fazer em conjunto”, avisou António Sales.

O ponto de não retorno

O cirurgião e vice-reitor da Universidade de Nova de Lisboa, José Fragata, defendeu que a saúde tem mesmo de ser uma prioridade. “Há uma enorme pressão sobre os sistemas de saúde e estes têm de saber adaptar-se para responder às exigências. O Governo elegeu a saúde como uma prioridade. E o sistema de saúde português bem precisa de novas soluções”, afirmou.

O também director do serviço de cirurgia cardiotorácica do Hospital de Santa Marta lembrou o balanço feito pela revista The Lancet, que alertou para o desinvestimento na saúde em Portugal e os efeitos que teve: agravamento da dívida, faltas de material, descontentamento dos profissionais. “Há uma excessiva politização da saúde, que coloca toda a gestão numa excessiva dependência dos ciclos políticos, quando devia incidir mais na componente técnica”, considerou.

“O subfinanciamento do SNS pode conduzir ao que se passou com o cavalo do escocês, que foi sendo alimentado cada vez com menos e com ração que o escocês ia cativando. Quando já estava acostumado, morreu”, contou.

José Fragata falou de uma diáspora dos profissionais de saúde, lembrando que no ano passado cerca de 2700 enfermeiros pediram a declaração à Ordem com intenção de emigrar. E que 2152 médicos deixaram o país desde 2014. “Muitos não regressam mais e por isso é preciso actuar agora. Só mais investimento não será suficiente. Começam a faltar as pessoas”, alertou.

Para fazer face aos desafios que a saúde vai enfrentar, como o envelhecimento, as doenças crónicas, o aumento de custos, a solução tem de ser “melhor gestão”, “mais investimento” e “definir um modelo de financiamento” capaz de responder à mudança da inovação. “Público, privado e social devem trabalhar em rede, pois o Estado não poderá assumir a prestação integral e não terá fundos para isso. E chega a cativar muitos dos fundos”, salientou o médico.

“A saúde tem mesmo de ser uma prioridade”, afirmou, considerando que “podemos estar muito perto do ponto de não retorno”.

PSD pronto para consensos

O deputado do PSD Ricardo Baptista Leite, que foi um dos comentadores convidados do debate desta sessão da Convenção, considerou que “há uma dualidade de um sistema para ricos e um sistema para pobres e estão a transformar o SNS num sistema para pobres”. “Os mais pobres são os que mais sofrem e pagam pela ineficiência do SNS”, afirmou, dando como exemplo os tempos máximos de resposta garantidos para consultas e cirurgias muitas vezes ultrapassados.

Ricardo Baptista Leite, que também é vice-presidente do grupo parlamentar do PSD, afirmou que “há uma ausência de estratégia para o futuro”. “Temos de ter novos modelos de financiamento”, disse, defendendo uma maior aposta “na humanização dos cuidados de saúde, o que implica dar mais condições aos profissionais para terem tempo para os doentes”.

“O PSD está disponível para discutir consensos e reformas estruturais do SNS que garantam melhores resultados em saúde”, afirmou deputado social-democrata.

Na sua intervenção, o bastonário dos médicos dentistas apelou ao consenso entre os dois partidos com maior representação na Assembleia da República. “Sem entendimento entre PS e PSD não acredito que a saúde seja uma prioridade. Espero que os principais partidos que têm soluções aplicadas, e passíveis de serem aplicadas, em saúde contribuam para que o nosso sistema de saúde tenha a evolução necessária”, apelou Orlando Monteiro da Silva.

Já João Almeida Lopes, presidente da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma), disse que “o Ministério da Saúde não deve viver em permanente emergência financeira”. “Que é aquilo a que assistimos”, rematou.

“Quem quer que chegue ao Ministério da Saúde deve ficar aterrado e arrepender-se dez vezes de ter tomado posse. As contas que conhecemos são assustadoras. O défice de 346 milhões de euros em 2017 passou para 848 milhões em 2018. E em Agosto de 2019 ia já em 256 milhões de euros. Não é possível gerir assim”, afirmou.

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