Exposição em Coimbra cria “diálogo” entre arquivo da crise de 1969 e a arte contemporânea

SHIU! O diálogo do silêncio, título da mostra a apresentar na Biblioteca Geral da Universidade, surge integrada no programa da bienal Anozero’19.

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O Presidente da ditadura, Américo Thomaz, ladeado pelo ministro José Hermano Saraiva, em Coimbra, em 1969 DR

A exposição SHIU! O diálogo do silêncio, que é inaugurada na sexta-feira na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, propõe um diálogo entre o arquivo da crise académica de 1969 com obras de arte contemporânea.

Na exposição, que está integrada na programação convergente da bienal Anozero'19, serão mostrados ao público pela primeira vez em 50 anos cartazes e panfletos usados pelos estudantes durante a crise académica de 1969, em Coimbra, guardados nos arquivos da Biblioteca Geral.

O próprio título da exposição representa o diálogo que a iniciativa pretende estabelecer entre o arquivo e a arte contemporânea, sendo SHIU! o nome de uma obra sonora de Luísa Cunha que marca a entrada no espaço expositivo vai ser ouvido de forma repetida e constante um ‘shiu!’ para quem entra no local , e “diálogo do silêncio” parte de uma frase de um cartaz afixado na Porta Férrea, durante a crise académica, onde se lia “Continua o diálogo do silêncio”, disse à agência Lusa Miguel Mesquita, que, juntamente com Filipa Alfaro e Inês Teles Carvalhal, faz a curadoria da exposição.

Na relação que se procura estabelecer entre os elementos gráficos e materiais referentes à crise académica e a arte contemporânea, a equipa de curadores quis estabelecer pontes em torno de temas como o culto de personalidade, a militarização ou a construção da narrativa histórica, fazendo paralelismos entre o Maio de 68 e a crise académica, ou entre a Guerra Colonial e a Guerra do Vietname.

Com o foco no binómio repressão-resistência, a exposição tem na arte contemporânea uma forma de desdobrar temas, numa relação entre arquivo e obras que pode ser “mais ou menos directa”, explanou Miguel Mesquita.

Como exemplo dessa relação, na Sala de São Pedro da Biblioteca Geral será possível ver uma fotografia de Ignasi Aballí, de um homem engravatado cuja cara não se vê, mas que parece estar a falar, a relacionar-se com um vídeo dos arquivos da RTP com um comunicado do então ministro José Hermano Saraiva e um cartaz dos estudantes com umas mãos com grilhões rebentados.

Para o director-adjunto da Biblioteca Geral, Maia do Amaral, a exposição foi uma “excelente ocasião para valorizar e restaurar” as quase 200 peças relacionadas com a crise académica de 1969 que estavam nos arquivos. “São peças muito frágeis, porque não foram pensadas para sobreviver estes anos todos”, notou Maia do Amaral, referindo que o processo de restauro começou em Dezembro de 2018, e, na altura, receava que muitas das peças pudessem estar em más condições, o que não aconteceu.

“Entendemos que uma exposição sobre revoluções e em torno da crise académica de 69 seria uma ocasião interessante para dar esta notícia à comunidade, e acreditamos que será uma enorme emoção, quando alguns dos que participaram na crise puderem rever algumas destas peças expostas a estabelecer um diálogo com a arte moderna”, salientou.

Para além do material da crise académica de 1969 disponível na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, juntam-se à exposição documentos do Centro de Documentação 25 de Abril, do Museu Académico da Universidade de Coimbra, do Ephemera e do Arquivo Multimédia da RTP.

Na exposição, estarão representadas obras de artistas como Helena Almeida, Fernanda Fragateiro, Hernâni Reis Baptista ou Mané Pacheco, entre outros. As obras de arte expostas são provenientes do Museu Calouste Gulbenkian, da Colecção de Fotografia Contemporânea do Novo Banco, do Museu de Serralves, da Colecção António Cachola e de colecções particulares.

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