Costa e Cavaco – o lugar na História

António Costa terá na sua cabeça, na nossa modesta opinião, um único desejo – ultrapassar Cavaco Silva na longevidade do exercício da função governativa.

A vida política é feita de realidade e virtualidade e muitas vezes o que é virtual ganha uma velocidade tal que, sem darmos por isso, assume a realidade e, até, a centralidade do debate.

Luís Marques Mendes vem insistindo, desde a noite das eleições de outubro, que António Costa só fará este mandato e que, por essa razão, se jogará nestes anos próximos a sua sucessão enquanto secretário-geral do Partido Socialista e, na decorrência, de candidato a chefe do governo de Portugal.

Umas vezes a questão é desenvolvida através do posicionamento de diversas personalidades perante esse possível cenário; outras, são sustentadas numa leitura barrosista do exercício governativo de que só se está aqui até haver melhor.

Acontece que Luís Marques Mendes, apesar da sua longa vida política e das suas enormes capacidades de comentador, não tem bem a noção do que se pode passar nas hostes socialistas, não consegue alcançar as várias dimensões que sempre se colocam quando se fala na liderança. Também não tem bem noção dos compromissos éticos que Costa assume. Estas falhas são relevantes e retiram credibilidade aos cenários.

Mendes diz que Costa vai sair em 2023. Devemos ficar felizes por estar na cabeça de muitas pessoas o facto de termos um governo que irá fazer a legislatura e que Costa será o segundo primeiro-ministro, de toda a nossa história democrática, a cumprir duas legislaturas completas e depois de ter aberto a governação a todos os setores da nossa vida partidária.

É, porém, neste ponto que queremos colocar a questão. O que desejamos é avaliar se há no discurso do primeiro-ministro algum sinal que possa corroborar a perspetiva mendista. Não avistamos qualquer sinal, antes pelo contrário.

Costa foi reincidente, em quase todos os comícios da campanha, quando dizia a todos – espero estar aqui, daqui por quatro anos, para vos prestar contas como está agora a acontecer com os resultados dos últimos quatro.

Quem conhece bem António Costa sabe que há nele uma leitura de médio prazo que nunca se deve menosprezar. Ela foi-se verificando no tempo que levou a ser ministro, depois presidente de câmara e, por último, líder do PS. Em Costa o tempo é muito mais dilatado do que em cada um dos mais comuns dos mortais e nestes incluímos Mendes.

Mas há outros sinais que devem ser alinhados e que decorrem das intervenções públicas do primeiro-ministro.

Passados quatro anos de governo poderíamos ter esquecido a “agenda para a década”. Com qualquer político dos mais dados à voracidade da mensagem política essa consideração já se tinha extinto, mas em Costa mantém-se e reforça-se a cada debate mais estruturante, a cada tempo de prospetiva como seja a negociação do quadro europeu que vigorará a partir de 2022. Há mesmo uma década na cabeça do chefe do governo português e ela não termina em 2023.

E ainda, mesmo que poucos tenham lido como nós lemos, a grande presença dos 50 anos do 25 de abril no discurso e na ação política do governo. Costa não quer só acabar com a habitação indigna em que vivem ainda 25 mil portugueses, o líder do PS quer deixar uma marca, uma assinatura, numa data relevantíssima que ele gostará, sem qualquer dúvida, de viver e comemorar como primeiro-ministro. Porém, essas comemorações serão sempre depois de 2023.

A atenção que deve merecer a orgânica do governo impõe uma outra linha de análise. Costa sabe que a Coesão terá o seu tempo e esse não se limita a quatro anos; sabe que a reorganização do território não acontecerá em quatro anos; sabe que as linhas centrais das transições energética e digital carecem de estabilidade e comando que não se exaure em 2023.

A longa amizade que temos com Costa pode levar-nos a uma leitura errada sobre os desejos do líder do PS. Mas não achamos que assim seja. O jovem socialista promissor, o dirigente associativo mobilizador, o infante de Sampaio, o opositor e aliado de Guterres, o ministro autónomo e respeitado, o presidente da câmara transversal, esses todos num, terá na sua cabeça, na nossa modesta opinião, um único desejo – ultrapassar Cavaco Silva na longevidade do exercício da função governativa, estruturar e consolidar um projeto de desenvolvimento e garantir as marcas históricas de um consulado memorizado e prospetivo.

Por todas estas razões, estamos certos que António Costa não se quedará neste segundo ciclo que vivemos, que as suas ambições se não conformam com duas legislaturas e que ele pressente que o país requer a sua experiência, saber e argúcia para conseguir o que sempre referiu como mal do Euro – uma década de crescimento que nos faça convergir definitivamente e sem desvios da Europa mais desenvolvida.

Costa olhará para Mendes com um sorriso maldoso. E nós achamos bem que o faça.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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